Por Maria Eunice Moreira e Mauro Nicola Póvoas
Professora de Literatura da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS); professor de Literatura da Universidade Federal do Rio Grande (FURG)
Em 2018, completaram-se 150 anos desde a fundação da Sociedade Partenon Literário, instituição nos dias atuais pouco lembrada em Porto Alegre, cidade que a abrigou, embora nomeie um dos seus bairros, exatamente aquele onde havia planos de se construir sua sede definitiva. O Partenon, cuja denominação homenageava o pensamento grego, foi criado em 18 de junho de 1868, movimentando literariamente a pequena e provinciana capital dos gaúchos, subsistindo até pelo menos 1886, ano em que encerra as suas atividades.
Em boa hora, para lembrar e comemorar o sesquicentenário da entidade, a editora da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (EDIPUCRS) lançou um livro eletrônico gratuito imprescindível para a compreensão da vida literária sul-rio-grandense. Organizado pacientemente durante 15 anos pela professora da PUCRS Alice Campos Moreira, hoje aposentada, o e-book, além de artigos sobre o Partenon Literário, reproduz todos os fascículos da Revista Mensal (que circulou de 1869 a 1879), o empreendimento mais substancial da associação, pois resguarda sua memória e sua produção. A edição em fac-símile, com ótima qualidade de resolução (clique aqui para conferir), facilita a consulta a um acervo bibliográfico que, depositado em algumas poucas bibliotecas do Estado, era quase inacessível.
Mas, afinal, o que era e o que fez a Sociedade Partenon Literário?
Desde sua instalação, o grupo orientou-se pela proposição de mecanismos eficazes para divulgar os assuntos eleitos como de maior interesse da sociedade, quais sejam, a literatura, a história e a filosofia, como está expresso no programa publicado no número 1 da Revista Mensal (março de 1869). O objetivo dos partenonistas, além de divulgar autores, obras e ideias, era o de formar um público e congregar as pessoas interessadas em artes e ciências humanas. O grupo, reunido em torno de concepções republicanas e abolicionistas, provocou, na província, uma revolução sustentada pela palavra.
Com esse propósito, foi coordenada uma série de estratégias de fomento educacional e intelectual, como aulas noturnas para os alunos que não podiam frequentar a escola durante o dia; uma biblioteca, que reunia mais de 6 mil volumes; e um museu de ciências naturais, que incluía peças de mineralogia, arqueologia, numismática e zoologia. Do ponto de vista político, o Partenon envolveu-se na campanha em prol da libertação dos escravos, com a realização de espetáculos no Theatro São Pedro, quando negros cativos eram alforriados, anos antes da assinatura da Lei Áurea. A questão da escravidão está presente em textos literários, como o poema O Escravo Brasileiro (julho de 1869), de Caldre e Fião, ou o contundente conto Pai Felipe (janeiro e fevereiro de 1874), de Vítor Valpírio, pseudônimo de Alberto Coelho da Cunha, narrativa ambientada nas charqueadas, envolvendo o escravo do título.
As questões de ordem literária, cultural e política eram amplamente discutidas e difundidas, sobretudo em reuniões, algumas registradas em atas, e em saraus literários, em que aconteciam números musicais, leitura de poemas e realização de palestras sobre temas candentes, como a pena de morte, o casamento entre religiosos, a baixa remuneração dos professores e o papel da mulher. Esse último é um dos itens mais relevantes, pois, assim como no âmbito da escravidão, o Partenon abordou, à frente de seu tempo, o espaço feminino na sociedade, especialmente por meio de Luciana de Abreu, professora que se tornou célebre por suas palestras proferidas nas sessões em comemoração ao aniversário da entidade, como a preleção Educação das Mães de Família, publicada na edição de dezembro de 1873. Além de Luciana, outras mulheres faziam parte do grupo, como Amália dos Passos Figueiroa, Revocata Heloísa de Melo e Luísa de Azambuja.
Porém, certamente, a iniciativa que alcançou maior repercussão entre todas as demais foi a criação da Revista Mensal da Sociedade Partenon Literário, que começou a circular a partir de março de 1869, nove meses após a instalação oficial da associação. Durante 10 anos, com interrupções e eventuais mudanças no título, o periódico atingiu o total de 71 números, distribuídos em quatro séries, sendo o último volume conhecido o de setembro de 1879.
Quanto à circulação, instituiu-se a categoria de sócios-correspondentes, nas principais cidades do Rio Grande do Sul e do Brasil. Essa modalidade possibilitou a distribuição eficaz dos volumes por várias localidades e, ao mesmo tempo, garantiu a formação de leitores que, aglutinados pelos temas publicados, identificaram-se com o modelo ali exposto. Por esse ponto de vista, o mensário organizou a vida cultural sul-rio-grandense, dando início efetivo ao nosso sistema literário, já que, somente a partir do Partenon, é criado, na então província, um grupo coeso de escritores, o qual produz um número significativo de obras que, por sua vez, serão lidas por um público instrumentalizado para tal.
A produção literária da revista transitou entre os gêneros romance, novela, conto, poesia, teatro, crônica, ensaio e biografia, os quais, conforme o tamanho, eram publicados em forma seriada, ao longo de vários meses. O periódico, ao seguir os pressupostos do Romantismo, quando o movimento começava a ser suplantado no centro do país, e do Regionalismo, tendência que se impunha na literatura brasileira, colaborou na definição e na mitificação do gaúcho, tipo escolhido pelos autores para dar homogeneidade ao material literário.
Por exemplo, alguns textos que escrutinam a vida campeira são o romance O Vaqueano (julho a dezembro de 1872), de Iriema, pseudônimo de Apolinário Porto Alegre, escritor e professor que foi o idealizador da Sociedade e da Revista Mensal, e que traz a história do tropeiro José de Avençal e a sua busca por vingar a morte da família; e as novelas A Mãe do Ouro (janeiro a agosto de 1873), do já citado Vítor Valpírio, que recria a famosa lenda do título, e Serões de um Tropeiro: Coleção de Contos Serranos (agosto de 1874 a março de 1876), de Daimã, pseudônimo de José Bernardino dos Santos, sobre as aventuras do Tenente Nico, misto de oficial da guarda nacional, subdelegado e tropeiro, na região dos Campos de Cima de Serra.
Por outro lado, há muitos poemas ao gosto romântico, em que a voz lírica externa saudades e cismas, como no trecho de Melancolia (novembro de 1872), de Amália Figueiroa:
Oh meus dias sedutores
Da florida primavera
Que bela a vida me era
Nessa quadra dos amores!
Assim, pode-se dizer que a Sociedade Partenon Literário assume, com suas atividades, um caráter mítico, já que seus agremiados, por meio da Revista Mensal, fundaram a literatura sulina, definindo, a partir daí, os elementos que orientaram escritores e leitores. Mais do que isso, o Partenon, que nasceu num momento histórico particular, em que se observa a consolidação política do Rio Grande do Sul, contribuiu para fundar o próprio Estado sulino. Nesse sentido, a Sociedade assumiu uma função especial, pois seus colaboradores engajaram-se ao pensamento da elite política local e, ao mesmo tempo, produziram e divulgaram um material literário capaz de representar e conformar os anseios da comunidade onde estavam inseridos.
O grupo fundou, a partir dos preceitos românticos, uma tradição de cunho regional, aproveitando as lendas locais, a linguagem campesina e a figura do gaúcho, utilizando o campo (Campanha, Serra, Missões) como espaço primordial da ação narrativa, configurando uma articulação literária sólida, ou seja, estética. Por outro lado, entretanto, a Sociedade foi também política, discutindo temas de vanguarda da época, como a instauração da República, o fim da escravidão e a emancipação feminina, sem contar a discussão de aspectos vinculados aos costumes, como o casamento e o adultério, assumindo uma postura que pode ser resumida como social, ou seja, ética.
Dessa maneira, o Partenon enquadra-se, ao mesmo tempo, como estético e ético, dupla face que garante a sua durabilidade na história da literatura do Rio Grande do Sul. Em tempos de liquefação pós-moderna, em que ideais são construídos e desconstruídos com rapidez incontrolável, com o agravante das tentativas cada vez mais frequentes de censura da voz ativista e minoritária, isso não é pouco.