Praga – Quando a República Tcheca apresentou seu equivalente anual do Grammy Awards, o prêmio de melhor cantor masculino foi bem previsível: Karel Gott, pela 42ª vez.
Mais que qualquer um de seus contemporâneos, o artista de 78 anos conhecido como o "A Voz Dourada de Praga", que recebeu o primeiro reconhecimento em 1964, sobreviveu a várias épocas e transcendeu a política. Hoje, Gott é apreciado por todas as gerações, servindo também como uma fonte de nostalgia para quem viveu sob o comunismo na Tchecoslováquia, onde começou a fazer sucesso.
O feito é ainda mais impressionante em um momento em que um nacionalismo generalizado e uma guinada para a direita encontram voz não só na política da república, mas também na música. De fato, Gott teve que repartir os holofotes do 52º Czech Nightingale, no final de novembro, com uma banda que ganhou fama local por suas letras antimuçulmanas, nacionalistas e muitas vezes violentas. A banda de heavy metal de extrema-direita Ortel ganhou o segundo lugar na categoria de melhor banda, e mesmo que seu estilo não possa ser mais oposto ao de Gott, ambos agradam a uma população que batalha para definir e afirmar sua identidade nacional.
Nas eleições nacionais em outubro, um partido de extrema-direita, o Liberdade & Democracia Direta, recebeu mais de 10 por cento dos votos.
"Definitivamente há uma tendência de crise de identidade nacional", disse Pavel Turek, jornalista musical da revista tcheca Respekt.
"O fato de quase todos na República Tcheca amarem Karel Gott é muito significativo. Sua popularidade é excepcional e o interessante é que todas as gerações gostam dele. De certa forma, representa a vida sob o comunismo sem ligação com a política, enquanto a Ortel só é conhecida por seu lado político", disse ele.
Gott é o primeiro a reconhecer que, embora sua música seja apolítica, parte de seu apelo é sua forte associação com a era comunista. "É uma combinação de coisas, mas há, claro, a nostalgia", disse ele.
Muitos sofreram sob o comunismo, mas Gott teve uma ascensão improvável na década de 1960, que transformou o engenheiro elétrico de uma fábrica em um ícone nacional, tendo autorização para viajar e se apresentar fora do país.
Cinquenta anos mais tarde, o "Sinatra do Leste", como ficou conhecido, já vendeu dezenas de milhões de discos no mundo todo de um catálogo de cerca de 300 álbuns e compilações, com gravações em várias línguas, incluindo alemão, russo e inglês. Ele é, indiscutivelmente, o cantor mais bem-sucedido da República Tcheca.
Seu trabalho é visto hoje como a representação de uma forma de liberdade de expressão em uma sociedade repressiva, mas há outros que se posicionaram mais firmemente contra os comunistas. Gott trabalhou dentro do sistema, mas alguns, como a cantora e ativista Marta Kubisova, o enfrentaram e foram proibidos de se apresentar. Depois de chegar ao sucesso com o grupo pop Golden Kids na década de 1960, ela decolou com uma carreira pop solo e cantora de baladas com a canção "Oração para Marta", que se tornou um hino contra a agressão comunista.
Na cerimônia de Czech Nightingale deste ano, Gott entregou a Kubisova, que se aposentou da música no início deste ano, um prêmio especial por seu ativismo contra o comunismo.
O trabalho de Gott e Kubisova contrasta com a música altamente controversa da Ortel, que é conhecida por depreciar os muçulmanos em um país onde os ideais xenófobos vão se enraizando na política.
"Sob o comunismo, tivemos poucos cantores de música folk que foram contra o sistema, e agora temos esse novo fenômeno em bandas como a Ortel", afirmou Jiri Pehe, escritor e analista político e diretor do centro da Universidade de Nova York em Praga.
"Na sociedade tcheca, há obviamente uma corrente de pessoas que tem medo dos muçulmanos, por isso aceitam qualquer coisa que esses grupos cantam", disse ele.
A premiação da Ortel fez vários artistas devolverem seus prêmios em protesto. "Os organizadores cometeram um grande erro. Deveria haver uma regra que não permitisse misturar política e música", disse Gott.
Recentemente, durante um show da banda na periferia industrial no sul da cidade de Ceske Budejovice, fãs vestindo roupas de couro exibiam seus punhos e cantaram em coro uma das canções mais controversas da banda, "Mesquita", que deprecia muçulmanos com letras como "Eles cortam sua cabeça em glória a Deus". Havia cerca de 200 pessoas presentes, incluindo crianças pequenas.
Em entrevista ao New York Times depois da apresentação, o vocalista, Tomas Ortel, disse que o grupo passa a mensagem certa na hora certa.
"Acho que as pessoas gostam de nossa música porque sabem o que está acontecendo no mundo e estão cansados de ver a mídia relatando falsos incidentes terroristas na Europa", disse Ortel, acrescentando que as canções da banda "representam o modo como sentimos que as coisas realmente são".
"Gosto deles porque não têm medo de dizer o que pensam", disse antes do concerto Jan Vacha, mecânico local de 46 anos. Ele afirmou que os muçulmanos eram um problema na República Tcheca e não deveriam estar ali. "Gostaria de ajudá-los em seus países, não aqui."
Vacha e sua esposa, Zuzana, contaram que ficaram chocados quando a Ortel não ganhou o prêmio de melhor banda. No entanto, disseram, estavam satisfeitos por ver que um dos cantores favoritos de sua infância havia ganhado de novo.
"Amamos Karel Gott. Nascemos e crescemos ouvindo sua música", disse Vacha.
Por Philip J. Heijmans