Nova York – Uma Thurman sabe que, no teatro, não tem segunda tomada, nem retoque na pós-produção, nem a oportunidade de alterar as falas; que quando pisar no palco como protagonista de "The Parisian Woman", peça de Beau Willimon, criador de "House of Cards", com estreia marcada para trinta de novembro, no Hudson Theater, não haverá lentes lisonjeiras nem truques de edição para ajudá-la.
"É claro que expõe, mas se não houver exposição, cadê o desafio? Não dá para testar seus limites na segurança", disse ela, durante um jantar recente.
Por quantos testes mais a atriz de 47 anos terá que passar? Indicada ao Oscar por "Pulp Fiction", é presença forte e vibrante em filmes como "Ligações Perigosas", de 1988, a sequência "Kill Bill" no início dos anos 2000, e na de "Ninfomaníaca", em 2013; acontece que ela também é uma mulher alta com um rosto de traços pré-rafaelitas e um humor mordaz. Nem sempre os filmes souberam o que fazer com ela – e vice-versa.
"De vez em quando aparece uma chance espetacular no cinema; para algumas pessoas, com mais frequência. Mas não é para todas", comenta, seca.
Com uma carreira na qual sempre tentou "ser decente e trabalhar com afinco" em meio ao que descreve como "desdém e depreciação em relação às mulheres de todos os tipos" em Hollywood, ela confessa que é um alívio encontrar um papel como o atual.
Entretanto, até essa oportunidade foi ofuscada por forças externas: as alegações de assédio e violência sexual contra um dos fundadores da Miramax, Harvey Weinstein, que produziu vários filmes de Thurman, e as acusações de má conduta sexual contra Kevin Spacey, astro da série de Willimon na Netflix.
Depois de um dia inteiro de ensaio em cima do salto alto, ela chegou ao restaurante japonês atrasada, correndo como se estivesse participando de uma corrida de obstáculos em Midtown Manhattan, lotada de turistas. Parecia uma deusa do Olimpo – na hora de folga –, com direito a echarpe amarrotado, cabelo despenteado e uma necessidade imediata de ligar para o filho adolescente para ver como andava a partida de futebol do garoto. (Ela tem dois filhos, incluindo o futebolista, com o ex-marido, Ethan Hawke, e a caçula com o ex-noivo Arpad Busson.) "Com certeza, já cheguei naquele ponto de preocupação tão absurda que é melhor só tentar acompanhar os fatos", desabafa.
Ela ficou sabendo da peça há dois anos, quando um advogado do setor do entretenimento intermediou o encontro entre ela e Pam MacKinnon, vencedora de um Tony. Thurman sempre teve a intenção de voltar a fazer teatro, e estava achando difícil encontrar papéis de qualidade no cinema. (Quando começo a perguntar sobre a falta de boas personagens para as mulheres acima de 35 anos, ela me interrompe, comentando: "Abaixo também.")
Interessou-se em saber o que a Broadway tinha a oferecer. "Bom, não só a Broadway, mas o teatro em geral."
Entre xícaras de café, ela e MacKinnon discutiram várias heroínas clássicas; a seguir, a diretora comentou o roteiro, inspirado em "La Parisienne", uma peça de 1885 do escritor francês obscuro Henry Becque, que combinava comédia de boulevard e um realismo ousado. Willimon, que era dramaturgo da off-Broadway antes da criação de "House of Cards", desenvolveu a história tendo como pano de fundo a capital norte-americana, cuja moral duvidosa é famosa.
MacKinnon mandou o roteiro e Thurman se sentiu imediatamente atraída por Chloe, a parisiense do título. (Na verdade, Chloe é norte-americana, mas é uma longa história.) "Admirei sua emancipação, a ideia de que tinha direito a tudo, inclusive à liberdade sexual. A personagem exibe uma autoconfiança incrível."
Chloe é namoradeira e manipuladora, diletante e brigona; uma mulher de apetite voraz.
Uma versão inicial da peça estreou no South Coast Repertory, em 2013, com Dana Delany, uma estrela de pouco brilho, como protagonista. Porém, ao conversar com Thurman, Willimon teve uma sensação estranha, "era impossível, claro, mas quase parecia que eu tinha escrito a peça para ela; sua elegância, seu charme, sua vivacidade e senso de humor – tudo aquilo de que Chloe necessita para existir e que Uma possui naturalmente". Os produtores tiveram a mesma percepção, atrasando a leitura até que a atriz tivesse se recuperado de um acidente equestre.
Como MacKinnon disse, "Chloe tem carisma de estrela de cinema". Ou seja, ajuda bastante o fato de Thurman exercer essa profissão.
Entretanto, o teatro foi o primeiro meio de contato de Uma com a atuação. No segundo ano do colégio interno onde estudava, foi a protagonista de "As Bruxas de Salem". Mais de trinta anos depois, ouvi em sua voz rouca uma ponta de orgulho ao dizer: "Foi uma façanha e tanto para uma segundanista conseguir o papel para o qual geralmente só o pessoal mais velho é escalado."
Alguns agentes que ela conheceu trabalhando como modelo no ano anterior foram ver a apresentação – e o interesse que demonstraram ajudou a convencer os pais dela, Robert Thurman, professor de Estudo Budistas na Universidade de Columbia, e Nena von Schlebrügge, ex-modelo que hoje ajuda a administrar o Menla, retiro nas Montanhas Catskill, a transferi-la para a Professional Children's School, em Manhattan. Aos 17 anos, ela já tinha conquistado seus quatro primeiros papéis, incluindo o da Vênus nascida em uma concha em "As Aventuras do Barão de Munchausen" e da menina de convento Cécile de "Ligações Perigosas".
Quentin Tarantino, que a dirigiu na pele da mulher de um gângster em "Pulp Fiction" e escreveu o roteiro dos filmes "Kill Bill" para ela, compara Thurman às beldades da Era de Ouro do cinema, como Greta Garbo e Bette Davis. "Você tem a loira deste ano aqui e ali a loira do ano passado. Não dá para saber quem é quem. Para mim, a Uma tem algo que se compara a Marlene Dietrich", elogia ele, por telefone. E também se refere a ela carinhosamente como "salgueiro alto".
Será que o estilo da velha Hollywood de Thurman dará certo na Broadway? Sua aventura de 1999 na off-Broadway como a atriz Jennifer, na versão de Martin Crimp para "O Misantropo", de Molière, não impressionou os críticos. "Ela me lembra uma garota bonita e mimada na primeira festa de gente grande, com ares pretensiosos e fazendo a gente torcer para que tenha um bom desempenho", escreveu Ben Brantley no New York Times.
Se o tom das reações a surpreendeu? "Não espero elogios de ninguém", resume. O tal roteiro, uma série de versos curtos, em rima, ligados por gracejos da época, "era difícil demais. Impenetrável. Foi insano", admite.
Desde então, o mais próximo que Thurman chegou de um papel no palco foi como convidada especial na primeira temporada da série do canal NBC, "Smash", no qual interpretou Rebecca, uma estrela que tenta conquistar a Broadway, mas que é eliminada no teste por causa de um smoothie estragado.
Nada tão dramático afetou "The Parisian Woman", mas tanto Thurman como Willimon se viram nas manchetes por razões que não tinham nada a ver com a peça: no início dos ensaios, começaram a pipocar as acusações contra Weinstein. Quando perguntada se tinha sido objeto de assédio, deu uma resposta curta e grossa: "Falarei sobre o assunto quando estiver a fim de falar."
No fim de outubro, as alegações contra Spacey também começaram a surgir e a produção de "House of Cards" foi suspensa. (Willimon deixara a série em 2016.)
Embora "The Parisian Woman" aborde questões como sexo e poder, nenhuma discussão desses eventos do mundo real "jamais chegou nem à sala de ensaios", diz MacKinnon, firme.
Ensaiar uma peça exigiu algumas mudanças na maneira como Thurman "ataca" um papel. Seu método ainda é o que Tarantino descreveu como "motivado pela ligação emotiva à personagem, é um lance de dentro para fora. Não tem nada de explícito, sabe?".
Porém, depois de anos repetindo a si mesma "É bom que saia tudo perfeito", teve que se adaptar a cenas que são construídas aos poucos, em questão de dias, semanas até, e não concluídas em questão de horas.
Como MacKinnon conta: "Ela faz uma versão e aí olha para mim e diz: 'ou...' e aí volta e faz uma coisa completamente diferente.
Uma vantagem: contracenar com atores de verdade e não pedaços de fita crepe marcando posição. "Já fiz filmes inteiros olhando para o vazio", revela.
Oito sessões por semanas podem esgotar um ator, mas Thurman não estava muito preocupada em saber se conseguiria manter Chloe como novidade interessante. Nos filmes "Kill Bill", ela viveu com sua personagem, a Noiva, durante um ano, e ainda conseguiu achar espaço para variações.
"Atuar, para mim, nunca virou rotina."
Por Alexis Soloski