Calma. Não é provocação barata. A pergunta é séria: por que você ainda ouve rock? Estou falando de rock mainstream, de banda grande, do tipo quem ainda vende disco e roda o mundo em turnês milionárias. Pergunto isso à luz do lançamento dos singles do Queens of the Stone Age e o Foo Fighters, dois dos grupos mais representativos do segmento. Representativos e... repetitivos.
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Falo do QOTSA porque foi dos últimos a injetar algo de realmente novo no rock depois da ressaca do grunge. E o Foo Fighters porque é das pouquíssimas bandas de rock com menos de 30 anos a arrastar multidões (Coldplay não conta e você sabe muito bem a razão). Mas eu ouço The Way You Used to Do, do primeiro, e Run, do segundo, e penso "meu deus, que preguiça". Eu entendo a banda se acomodar e ligar o piloto automático. Mas e o ouvinte? O que faz alguém continuar a ouvir sempre a mesma música – mesmo que ela seja da sua banda favorita?
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Michael Hann, escritor e ex-editor de música do Guardian tem uma teoria interessante. No artigo Why Rock Fans Are Loyal to the Brand – Not The Band, ele aponta que fãs de rock não estão nem aí para quem está na formação do seu grupo de estimação, desde que ele continue na estrada. Ele cita Guns N' Roses, Whitesnake, AC/DC e outras como exemplo de bandas cujos admiradores são fieis mais ao logotipo do que à música propriamente produzida. Gene Simmons, gênio do marketing por trás do Kiss, já afirmou que não veria problema se a banda fosse conduzida, no futuro, por outras pessoas que não ele e o outro fundador do grupo, Paul Stanley.
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O argumento de Hann reforça minha sensação ao ouvir os novos singles do QOTSa e do FF. Eles estão fazendo a mesma música de sempre porque, ao que parece, seu público cativo está bem pouco preocupado com o que eles estão fazendo – desde que continuem. "Só não parem, por favor", dizem os fãs ao botar para rodar as velhas novidades, "ainda estamos com vocês". Que fica claro que todo mundo ouve o que quiser e está tudo certo, mas questiono se estão escutando ou só ouvindo o que está sendo produzido.
Novamente: essa coluna não é uma provocação barata. De um ouvinte de rock para outros ouvintes de rock: por que você ainda ouve rock?
LANÇAMENTOS
MELODRAMA
Lorde
Jarhead é o jargão utilizado dentro do exército americano para designar o que se espera de um bom soldado: resistente por fora e vazio por dentro. O mesmo pode se dizer de uma estrela pop. Quando surgiu, em 2013, Lorde ia na contramão desse modelo. Seu disco refletia o que parecia ser uma personalidade forte, inquieta, sem interesse em seguir os diretrizes da indústria. Pure Heroine era um achado dentro do marasmo que sempre são as paradas de sucesso. Em 2017, Green Light, primeiro single e faixa de abertura de Melodrama, quase chega a enganar que agora Lorde é uma mulher celebrando sua fama em clubes descolados e rodando de limusine por aí, mas a verdade é que ela continua a se nutrir de sentimentos bem pouco solares. São 11 faixas em que Lorde reflete justamente sobre o preço que vem pagando por estar sob os holofotes sem necessariamente ter pedido por isso. O sentimento desgaste emocional e físico perpassa todo o disco, com a cantora lamentando o rompimento com um mundo que lhe era muito caro (The Louvre, Liability), mas persiste enquanto ela tenta seguir em frente (Supercut). Pujante e intenso, é mais do que se poderia esperar de um segundo trabalho de uma jovem artista que continua passando ao largo da linha de produção da indústria musical. Pop, Universal Music, 11 faixas, disponível para audição nos serviços de streaming.
O SOPRO E O MOMENTO
Grandfúria
Toda iniciativa que transcende o óbvio merece atenção. É o caso do Grandfúria, sexteto de Caxias composto por Vinícius Augusto de Lima (voz, violão e guitarra), Maurício Pezzi (sintetizador e voz), Maurício Romani Gomes (bateria e percussão), Bruno Pinheiro Machado (guitarra e voz), Tiago Perini (baixo e voz) e Diego Viecelli de Oliveira (gaita). Ao longo de dois anos, eles destrincharam o clássico O Tempo e o Vento, de Erico Verissimo, para transformá-lo em um disco pop. O acerto foi duplo: quem conhece a obra deve identificar sem muita dificuldade as passagens reinterpretadas pela banda; quem nunca ouviu falar da saga das famílias Terra e Cambará pode se deliciar com a qualidade do álbum, que mistura guitarras distorcidas e sintetizadores com pitadas de música regional. Na maior parte do tempo, O Sopro e o Momento se comporta como um épico gaudério que se balança entre o lírico e o bruto, contando histórias e desenhando paisagens. Um disco daqueles que merecem uma segunda (e terceira) audição. Pop, independente, 11 faixas, disponível para audição nos serviços de streaming.