Martinho da Vila não tem nada a provar no território da música. Aos 79 anos, o bamba acumula uma estrada de respeito dentro e fora do Brasil. O que pouca gente sabe é que ele também escreve – e muito. Quinta, em Porto Alegre, o cantor mostra seu lado escritor no lançamento do seu 15º livro, Conversas Cariocas.
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Publicada pela editora Malê, a obra é uma compilação das colunas que Martinho escreveu durante dois anos no jornal carioca O Dia. Em suas páginas, observações do cotidiano, reflexões sobre política e religião, lembranças de grandes figuras da música e até dicas do que fazer com a criança no feriado prolongado. A leitura é fluida, mas ele garante que o trabalho ali foi pesado:
– Ser cronista é muito difícil. A coluna era semanal e o prazo, muito apertado – comenta. – Fora que eu começo a falar sobre um assunto e, quando vejo, estou falando de outro (risos). Mas foi uma experiência boa.
O lançamento de Conversas Cariocas é nesta quinta, às 19h, na Livraria Cultura, no Bourbon Country. Na sexta, Martinho volta a ser músico e sobe ao palco do Auditório Araújo Vianna, a partir das 21h, em show conjunto com Diogo Nogueira. Os ingressos custam R$ 140.
Você trata de muitos assuntos em Conversas Cariocas, incluindo a trinca futebol, política e religião, que o senso comum considera indiscutíveis. Existe algum assunto que é melhor não falar?
Não se pode pensar assim. Posso falar de tudo, mas às veze tenho que arranjar uma forma que não cause polêmica. A polêmica pode ser boa, mas eu não gosto mais (risos). De qualquer forma, é difícil não desagradar as pessoas que gostam de você. Elas acompanham o seu trabalho há tanto tempo que vão se identificando e querendo que você pense como elas, mas não é assim (risos).
Isso ocorre muito em redes sociais...
Ah, mas eu não frequento. De jeito nenhum. É um lugar onde todo mundo pode dar opinião sobre tudo, atacar o outro sem pensar muito. Eu acho complicado. Proibir não pode, claro, mas não é pra mim. Eu só uso o telefone para fazer o que eu estou fazendo agora contigo (risos).
Mas é onde muitas discussões acontecem atualmente, especialmente sobre política. Você, que viveu diversos momentos da política do nosso país, tem acompanhado esse cenário?
O cenário político do país hoje é muito difícil. Não consigo ver muita luz, mas acredito que ela esteja lá (risos). Estamos todos muito descrente, especialmente com os poderes. O sujeito faz alguma coisa boa e, na sequência, faz algo ruim. Parece que não dá para confiar em ninguém mais. Mas o Brasil sempre achou uma saída e uma hora ela aparece.
Nunca pensou em entrar para a política?
Não e não admiro muito o ser político. A pessoa vira política e se torna outra pessoa. Por exemplo, não gosto de votar em candidato que concorre para um segundo mandato, porque ele já está contaminada e fazendo de tudo para ficar ali. Daí eu acho que não serve mais.
Outro tema frequente em Conversas Cariocas é o seu envolvimento com o movimento negro e a necessidade de valorização das nossas raízes africanas. Como começou esse interesse?
Começou quando fui a Angola na época em que muitos países da África estavam se tornando independentes. E no Brasil essa notícia não chegava. Quando voltei, falei com a imprensa sobre o que acontecia por lá, porque aqueles países, muitos deles de língua portuguesa, precisavam de exposição para sua luta. Porque quanto mais você mostra um problema, quanto mais gente fica sabendo dele, mais rápido ele se resolve. Alguns desses países ficaram gratos, disseram que fiz parte do processo de libertação deles, e ficou essa ligação entre a gente. Hoje não vou com muita constância, mas sempre que vem alguém deles pra cá, acaba entrando em contato.
E o Brasil avançou nessa discussão?
Sim, certamente. O pessoal da minha geração não tinha informação nenhuma. Não estudou a história do negro, a história da África. Hoje você tem muita publicação a respeito e tivemos, nos governos anteriores, negros no poder Executivo, nos ministérios, nas secretarias, enfim. Nosso problema, hoje, é esse: ocupar espaço. Tivemos uma miss negra, o que é um avanço incrível, mas é preciso continuar.
E tem ouvido música?
Faço mais música do que ouço, né? (risos) Quando eu tenho tempo, gosto de ouvir as coisas que curto mais. Pego um disco de um colega, um disco bem feito, bonito, e fico ali ouvindo e lendo as informações do encarte. Pra mim, ouvir música é como ler um livro. Também ouço muita música folclórica e música instrumental. O que se está ouvindo no rádio hoje é muito ruim, pelo menos para os meus ouvidos. E acho complicado porque as pessoas são criadas pelo que elas ouvem. Quem ouve uma música muito simples, não vai gostar de uma música mais complexa, mais elaborada. E o gosto do brasileiro hoje é esse, infelizmente.
Bamba
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Gustavo Brigatti
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