Há poucos dias, morreu Vasco Mariz, cronista da música de concerto brasileira. Tinha 96 anos, ou seja: passou por bons momentos da música do século passado, chegando até o século 21 trabalhando e lançando livros.
De todas as obras, duas são clássicas: a biografia de Villa-Lobos e a História da Música no Brasil, dos anos 1980, tentativa de sistematizar a música de concerto na segunda metade do século, seguindo o exemplo de outros grandes, Luiz Heitor Correa de Azevedo entre eles.
Quando eu era estudante de música, Vasco Mariz não era levado muito a sério. Diplomata de carreira, achava-se que ele não tinha o rigor musicológico para as empreitadas em que se metia. Hoje, lendo em retrospecto, bem que os livros dele são bem apanhados. Opiniáticos, mas nunca longe da correção histórica e social, que era o que se cobrava naqueles 1980.
Lembro um incidente com a História da Música no Brasil. Quando foi lançada, meu mestre Armando Albuquerque descobriu, para seu desgosto, que ele não constava entre os muitos citados por Vasco Mariz. Armando Albuquerque enfurecia-se raramente e, quando isso ocorria, era sempre em relação a algum desrespeito com a sua música.
Ao descobrir a omissão, escreveu longa carta para Mariz, cobrando a inclusão dele num livro que se propunha a ser a crônica da música de concerto brasileira.Veio a segunda edição da História da Música no Brasil: lá estavam Armando Albuquerque e sua música, na página 178, entre os compositores da "segunda geração nacionalista": Lorenzo Fernández, Jaime Ovale, Walter Burle-Marx... A categoria não é bem correta, mas o texto inicia como um pedido de desculpas: "Este compositor gaúcho é um caso sui generis na nossa música. Nascido em 1901, só a partir dos anos 1970 e, mais precisamente, de 1975, se fez conhecer, aplaudir e admirar fora do Rio Grande do Sul".
Tanto a revolta do compositor, cobrando reconhecimento, quanto a modéstia do musicólogo ao admitir, de leve, o seu erro, me serviram de lição. Na base, a ação que colocou ambos em movimento foi a mesma – o respeito pela música de concerto brasileira. Essa música nem sempre apreciada como deve pelos ouvintes e nem tocada tão frequentemente como merece pelos intérpretes.