O labirinto é uma alegoria da condição humana, que nasce em tempos nômades e chega aos dias atuais. É um mistério a persistência dessa figura através dos milênios como expressão da vida e da morte. Logo, no século 21, segue essa figura enigmática sendo essencial para se entender quem somos. Zygmunt Bauman, em seu mais importante livro, Modernidade Líquida, escreveu sobre o muito que já foi feito pelos homens para tornar transparentes as paredes dos labirintos. Iluminaram as passagens tortuosas, diminuíram os corredores, escreveram guias de instruções para evitar as encruzilhadas, tentaram até derrubar suas paredes. Descobriu-se, ao final, que os labirintos continuam firmes, talvez mais traiçoeiros e confusos. O labirinto segue sendo um espaço opaco no qual o azar e a surpresa mandam e a razão pura fracassa.
Há uma metáfora de que o inconsciente seria um monstro agachado no fundo do labirinto. Os labirintos da alma expressam o sistema inconsciente, que, como o nome diz, não é consciente, portanto desconhecemos. Um exemplo de labirinto é o nome próprio. Cada um de nós recebe um nome e um sobrenome escolhidos pelos pais. Nesse nome se expressam seus desejos inconscientes. Ou seja: o que os pais depositam na escolha do nome de seu filho nunca será totalmente conhecido, nem por eles. Além do que, o nome próprio que nos é dado será sempre cobrado quanto ao que foi projetado pelos pais em cada um de nós.
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Óbvio que o mesmo fazemos com nossos filhos. Na carteira de identidade consta o nome dos pais e o do dono da carteira, que não sabe os ideais sonhados para si. Não por acaso, o escritor José Saramago, em seu livro Todos os Nomes, começa com uma epígrafe: "Conheces o nome que te deram, não conheces o nome que tens".
Há uns 20 anos, na Feira do Livro de Frankfurt, ao lançar esse livro, ele disse numa entrevista:
– É uma convicção profunda minha: não sabemos o nome que temos. Sei que me chamo José Saramago, mas o que isso significa? Quem sou eu de fato?
Quem é cada um de fato é uma pergunta que vamos respondendo ao longo da vida, mas sempre permanecem fatos ligados ao desconhecido. Jacques Lacan escreveu sobre a importância do nome próprio. Num dos seus seminários, disse:
– Vocês sabem, como analistas, a importância que tem em toda análise o nome próprio do sujeito. Vocês têm que prestar atenção sempre em como se chama seu paciente. Nunca sejam indiferentes.
Em outra oportunidade, acrescentou:
– O nome convida a falar.
Cada um de nós tem muito a dizer sobre seu nome próprio, pois são surpreendentes os mistérios que envolvem o nome de cada pessoa. O nome próprio tem raízes labirínticas à medida que há toda uma novela por trás de cada nome. Novela familiar de cada um de nós que envolve pais, avós e irmãos, cada um com seus desejos inconscientes. Essa novela pode ser imaginada também como um teatro, o teatro do nome próprio.
Labirinto é uma palavra surpreendente; sua origem é desconhecida. É sinônimo da complexidade, da impenetrabilidade, da escuridão, de um sistema tortuoso e perigoso. Há descobertas pré-históricas de figuras que lembram um labirinto. Figuras também encontradas no Egito, na China, Índia, Grécia, América, África. Labirintos de pedra, vegetais, gravados ou pintados sobre os muros. Em muitos povos, representava a rota seguida pela alma. Em todas as culturas, simboliza a viagem ao interior do homem na busca de sua verdade. Para Jacques Attali, autor do Dicionário do Século XXI, vamos precisar aprender, cada vez mais, a pensar labirinto. Conviver com problemas, parando diante das encruzilhadas da existência e especialmente suportando as incertezas. Por isso precisamos aprender com quem devemos nos associar nas caminhadas da vida.
Já é tempo de fazermos um tour pelo mais famoso dos labirintos, o labirinto de Creta. Tour imaginário, pois os arqueólogos nunca souberam com exatidão se ele existiu. Importante, como se verá, é o que ocorreu com Teseu ao sair do labirinto. Como todo tour, comecemos pelo princípio. Após Creta ter ganhado uma guerra contra Atenas, o rei Minos exigiu que todos os anos o rei ateniense escolhesse sete homens e sete mulheres jovens para servirem de refeição ao Minotauro que vivia no centro do labirinto. Um dia o príncipe Teseu se oferece para desafiar o monstro. Ao chegar a Creta, conhece Ariadne, filha de Minos, que se apaixona pelo príncipe e decide ajudá-lo. Aconselha que Teseu leve um fio condutor para saber como sair da teia de caminhos tortuosos após sua vitória. Teseu mata o monstro e consegue sair do labirinto seguindo o fio que havia deixado para sair do labirinto com seus amigos.
O fio de Ariadne, o fio salvador de Teseu, passou a ser o fio da esperança, é a presença da parceria exitosa. A história mais conhecida termina com Teseu sendo o herói, mas o que ocorre com esse príncipe após matar o Minotauro é quase desconhecido. Ele havia combinado com Ariadne que iria não só levá-la a Atenas como desposá-la. Porém, Teseu decide abandonar sua salvadora na primeira ilha em que ancoraram. Depois, ao se aproximarem de Atenas, ele se esquece de trocar as velas negras de seu barco, sinal da derrota, pelas brancas, sinal da vitória, como havia combinado com seu pai, o rei Egeu. Este, ao ver as velas negras, fica desesperado e joga-se nas águas do mar que leva até hoje seu nome. Teseu torna-se rei e aí começa a dar tudo errado em seu reino, sofrendo traições, e termina assassinado.
Quando conheci o fim da vida de Teseu, pensei que ele havia saído do labirinto de Creta mas havia entrado em outro labirinto sem saber. No labirinto imaginário da existência, Teseu não teve um fio para se guiar e terminou se perdendo. Então, uma ideia simples me ocorreu: a vida de cada um de nós não seria viver através de uma sucessão de labirintos? Muitas vezes se sai de um e se passa para outro sem saber, mas que igualmente traz opções.
Aprender a pensar labirinto é difícil para todos. Nos labirintos, há violências externas das quais precisamos nos defender. Há mortificações como expressão do masoquismo que geram dores psíquicas. Às vezes nos perdemos nos labirintos, nos angustiamos e sentimos o desamparo, sem saber para onde ir ou o que fazer. As dificuldades aumentam quando estamos sob o efeito de acontecimentos traumáticos. Trauma é uma palavra utilizada na medicina que vem do grego e significa ferida.
Logo, sofremos feridas narcisistas, que exprimem os sofrimentos. Há sofrimentos de perdas que chegam a nos afundar em depressões. Aí é quando vivemos o desafio de suportar a solidão suficiente para sobreviver. E isso envolve uma boa dose de amor próprio, um amor necessário no amor a si e ao outro. Boas amizades nos labirintos da vida são indispensáveis, pois são os irmãos da vida que festejam nossas vitórias e são solidários nas derrotas. São os laços fraternos que afrouxam o nó da nossa solidão. Diante da precariedade da vida, é na fraternidade que se alimenta a esperança.
Por fim, caminhar melhor nos labirintos da vida exige a essencial arte, pois a arte abre as portas para o espetáculo de que participamos. As artes excitam a imaginação e assim tornam a vida mais divertida. Federico García Lorca, em 1934, numa saudação que fez a seu amigo Pablo Neruda na Universidade de Madri, disse da arte:
– A poesia serve para nutrir aquela pequena semente de loucura que todos carregamos.
Na verdade, vida sem arte é vida sem encanto.
Hoje, como ontem, há fatores de risco mesmo com todos os cuidados de segurança. Inevitáveis são os sofrimentos, as quedas, que às vezes não dependem só de nosso maior ou menor equilíbrio. Podemos aprender a caminhar melhor entre os labirintos da vida. Caminhar com mais leveza, suportar as frustrações sem cair em graves mortificações.
Concluo com duas sugestões de como a arte e a solidariedade nos ajudam a viver. Primeiro, o livro Rita Lee, uma Autobiografia, sucesso de público merecido, é o exemplo de uma artista brilhante, presa injustamente na ditadura militar, internada muitas vezes por drogas. Conseguiu renovar sua vitalidade, pois abandonou as drogas ao ver nascer sua neta. Segundo, o filme Um Homem Chamado Ove, de Hannes Holm. O longa começa com Ove, um homem mal-humorado, em crise depressiva, sem ânimo de seguir vivendo. Conhece vizinhos novos, não gosta deles a princípio, mas aos poucos vai tendo sua vida transformada. A partir daí, inicia-se um relato de seu passado que seduz o espectador e se revela uma aula de humanismo, o que tanto nos faz falta em tempos temerários.
Arte e parceria não resolvem os problemas dos labirintos da alma, mas aliviam. Tanto o livro como o filme expressam como é possível melhorar a vida. É possível andar pelos labirintos com menos peso, aprender a caminhar com mais leveza. O labirinto é uma alegoria da condição humana, é um espelho do nosso mundo. Estamos todos sendo cada vez mais exigidos no aprendizado de pensar labirinto.