Dione Martins não é adepto do princípio da arte pela arte. Para ele, a arte tem uma causa: a sobrevivência dos povos indígenas. Inspirado nas aulas de história do colégio, criou em 2004 o adesivo de um simpático indiozinho que espalhou pelas ruas de Porto Alegre e depois em cerca de 60 países (ele parou de contar há três anos). Com o tempo, o indiozinho Xadalu, que o criador adotou como seu nome artístico, tornou-se uma espécie de lenda da Capital, motivando interpretações. Dione não se incomoda com a confusão:
– Eu que provoquei isso. No momento em que coloco nas ruas um personagem sem endereço, espalhado de forma viral, sei que as pessoas vão imaginar mil coisas. Essas dúvidas foram moldando um mito. Só não sabia que chegaria tão longe.
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Tão longe que foi procurado por um grupo de indígenas intrigados com os adesivos, momento em que se estabeleceu uma parceria duradoura. Dione havia encontrado sua causa. Recentemente, até cogitou realizar um teste para verificar se tem sangue indígena, mas acredita que o resultado não mudaria nada, afinal, já se considera membro da família guarani:
– É como um casamento que gera filhos, que são as obras. Quando tu olhas para trás, é o momento em que percebes que já fazes parte daquilo: "Bah, consegui".
Uma das provas de que conseguiu é o livro Xadalu – Movimento Urbano, que estará disponível em versão impressa e eletrônica, esta gratuita. O lançamento será nesta terça, às 19h, no mezanino da Casa de Cultura Mario Quintana, em Porto Alegre, oportunizando uma conversa do público com o artista.
O volume sintetiza sua trajetória até o momento por meio de adesivos, cartazes e fotografias e textos críticos assinados por Vitor Mesquita, Francisco Dalcol, André Venzon, Patrícia Ferreira e Adauany Zimovski, além da transcrição de uma conversa entre Dione e Toniolo, que considera um mestre. O financiamento é do Fundo de Apoio à Cultura (FAC), do governo estadual.
A edição é trilíngue (português, inglês e guarani) e conta, ao final, com um caderno pedagógico para o público infantojuvenil que será empregado na educação de escolas de quatro comunidades indígenas do Estado (aldeia Koenju, em São Miguel das Missões; aldeias Pindó Mirim e Nhundy, ambas em Viamão; e aldeia Pindó Poty, no bairro Lami, em Porto Alegre), que poderão comercializar 40% da tiragem do livro para obter renda.
De origem humilde no Alegrete, Dione foi criado pela mãe e pela avó, radicados em Porto Alegre em 1996. Passou fome, recolheu objetos recicláveis com uma carroça e trabalhou como gari antes de obter emprego em uma serigrafia. Hoje, vive exclusivamente da arte: leciona na Universidade de Caxias do Sul e em seu ateliê, além de ministrar palestras e oficinas. Paralelamente às intervenções urbanas, deseja se dedicar à comercialização de obras, com parte da renda revertida para os guaranis.
As conexões internacionais renderam uma turnê: após o lançamento do livro, Dione viajará à Europa acompanhado pelo cineasta Ariel Ortega, guarani das Missões. Vai expor em Paris, Florença e Berlim, além de passar por Roma, Amsterdã e Londres. Tudo será gravado para um longa documental que a Zeppelin Filmes prepara para 2018, com direção de Tiago Bortolini, que em 2015 lançou o documentário em curta-metragem Sticker Connection, sobre Xadalu e o movimento da sticker art.
XADALU – MOVIMENTO URBANO
Organização de Adauany Zimovski, Carla Joner e Dione Martins
Joner Produções, 140 páginas, R$ 50. À venda na Bamboletras (Rua General Lima e Silva, 776, loja 3). Versão eletrônica gratuita disponível para download a partir de quarta-feira nos sites xadalu.com e jonerproducoes.com.br.
Lançamento do livro e conversa com o artista terça-feira, às 19h, no mezanino da Casa de Cultura Mario Quintana (Andradas, 736), em Porto Alegre. Entrada franca