Eu relutei em ler Saga, a celebrada história em quadrinhos escrita pelo americano Brian K. Vaughan e ilustrada pela canadense Fiona Staples – não só por achar caro cada livro publicado no Brasil pela Devir (de R$ 50 a R$ 65, dependendo da loja, do site e de eventuais promoções), mas também por não ser um sujeito empolgado com sagas espaciais (sempre é uma surpresa quando, cientes de meu amor por super-heróis, amigos descobrem que Star Wars e Star Trek não são minha praia).
Eu relutei – com tanta coisa para ler, tanta coleção pra completar, tanto gibi a acompanhar, pra que abrir uma nova frente de guerra? E sem saber até onde vai a coisa? (No Brasil, já foram lançados quatro volumes; nos Estados Unidos, o sétimo saiu recentemente.)
Eu relutei – até dei umas folheadas numa livraria, mas disse a mim mesmo que aqueles diálogos eram pop demais, descolados demais, e que eu não iria me conectar e apegar a gatos falantes, mulheres com múltiplos olhos e múltiplas patas mas sem braços, homens vestidos de príncipe e com um monitor de computador no lugar da cabeça.
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Eu relutei – sério que um Romeu & Julieta interplanetário seria capaz de merecer tantos elogios e prêmios da crítica? O que de tão original haveria nessa HQ? (A saber: Saga narra a história de "dois soldados em lados opostos numa longa e devastadora guerra intergaláctica que se apaixonam e lutam para garantir que Hazel, sua filha recém-nascida, continue viva", como diz o release. Já recebeu oito prêmios Eisner, o Oscar dos quadrinhos americanos, seis Harvey e um Hugo.)
Eu relutei – e foi tudo uma grande perda de tempo, mas com uma sensível economia de dinheiro. Graças a preços camaradas feitos por amigos e a uma promoção na internet, hoje sou um feliz proprietário dos quatro volumes de Saga já lançados no Brasil.
É uma viagem espacial irresistível, plena de dilemas morais, discussões filosóficas e até cenas de ação, na companhia de personagens cativantes e, apesar de fantasiosos, extremamente palpáveis. Brian K. Vaughan (que tem no currículo os elogiadíssimos Ex Machina, Leões de Bagdá e Y – O Último Homem) e Fiona Staples criaram um elenco que eu comparo ao de Mad Men, o seriado: ninguém ali é cem por cento algo, os mocinhos pisam em falso, os vilões são humanizados, e por isso nós, os espectadores, nos víamos torcendo por todos, envergonhados por todos.
Por falar em seriado, ler Saga me fez pensar em uma série que, a exemplo da HQ, também descobri tardiamente: Black Mirror. Não só pela capacidade de Vaughan de nos fazer refletir em tipos ficcionais, não só por seu prazer em atiçar nossa curiosidade acerca dos mistérios da trama e dos destinos dos personagens (a narração por Hazel é instigante e um indicativo de que Vaughan sabe, desde o princípio, aonde quer chegar), não só por seu talento em nos tirar o chão (o que são aqueles finais de cada capítulo?!?), mas porque, como Black Mirror, Saga sobe demais a régua. Empalidece e emudece a concorrência.