Justino Martins morreu em agosto de 1983. Foi uma morte simbólica, três meses depois que a TV Manchete foi ao ar. Ele já previa que a televisão iria matar as revistas da Bloch Editores. Diretor e criador do estilo da Manchete, Justino era emocionalmente apegado à revista e preferiu partir antes. Trabalhei 18 anos com ele, seis anos na mesa de edição, cotovelo contra cotovelo. Guardo a lembrança de um amante da vida, apaixonado por seu trabalho e com uma curiosidade ilimitada pelas pessoas. Cinéfilo extremado, ia todo ano ao Festival de Cannes. Ganhou até o apelido de Cidadão Cannes...
Gaúcho de Cruz Alta, filho ilegítimo de um estancieiro uruguaio, Justino começou do zero. Aos 12 anos, foi balconista de sapataria, depois operário na construção de ferrovias. Seu conterrâneo Erico Verissimo lhe deu a primeira oportunidade: revisor da Revista do Globo, em Porto Alegre. Logo Justino passou a redator e, aos 20 anos, assumia a direção da revista. Erico e Justino casaram com as irmãs Mafalda e Lucinda. Com Lucinda e o filho Carlito, Justino partiu para uma longa temporada em Paris, onde trabalhou como correspondente de revistas e jornais. Publicou na Manchete o encontro exclusivo que promoveu entre Brigitte Bardot e Picasso. Em 1959, Adolpho Bloch o convidou para dirigir a revista no Rio. Criada em 1952, a semanal ilustrada ficou famosa pela impressão impecável em cores, mas não conseguia achar uma fórmula editorial. Hélio Fernandes lhe deu um toque jornalístico, mas proibiu a entrada na redação dos irmãos Bloch: Arnaldo, Boris e Adolpho. Foi demitido.
Otto Lara Resende ficou um ano na direção e cunhou a expressão "Irmãos Karamabloch". Os Bloch nasceram na Ucrânia, e seu temperamento russo era mais forte do que o judeu. Certa vez, um dos irmãos comprou a bom preço uma batelada de máquinas de escrever. Os outros dois, desconfiados do negócio, se puseram a quebrar as Remingtons no chão da redação. Arnaldo e Boris morreram em 1957 e 1959, e Adolpho ficou livre para reinar supremo sobre a Manchete.
Começou aí o casamento tumultuado – mas bem-sucedido – de Adolpho Bloch com Justino Martins. E a revista, ao longo de seus 48 anos de vida, seria sempre o produto do confronto entre o empresário e o jornalista. As reportagens eram discutidas palmo a palmo, e a escolha da capa era uma briga de foice no escuro. Adolpho interferia na escolha das fotos e, quando não gostava de um cromo, ele o comia. (Na verdade, rasgava o celuloide com os incisivos e o triturava com os molares, mas não o engolia...) Quando a revista vendia tudo, Adolpho se gabava: "Esgotei a edição!". Quando não vendia, Adolpho dizia: "Viu só, Índio? Tu encalhou a revista!".
Uma de suas grandes brigas era a construção de Brasília. Adolpho fez da Manchete um órgão oficial da presidência JK. Justino publicava as reportagens a contragosto, dizia que não passavam de "marreta" (matéria paga). Em 21 de abril de 1960, Adolpho compareceu em alto estilo à inauguração de Brasília, mandou fazer fraque e cartola, fretou um avião para trazer as fotos e acompanhou o fechamento da Edição Histórica. Reprimindo sua raiva, Justino se deteve diante das fotos de Adolpho, devidamente paramentado, pinçou um detalhe e fez o comentário corrosivo: "Mas, tchê, tu estragaste tudo: não se usa sapato de furinhos com fraque e cartola...".
Ironicamente, Justino casou (pela segunda vez) com a primeira Miss Brasília, Martha Garcia. (Teve com ela uma filha, Maria Valéria Martins, que não negou o DNA paterno: é jornalista.) "Adoro mulher bonita!", proclamava Justino, que descobriu, entre outras musas, Duda Cavalcanti, Xuxa e Luiza Brunet.
Adolpho tentou tirar o Justino da direção da Manchete na virada dos anos 1960 para os 70, mas a manobra não deu certo. Chamou-o de volta. Justino fez charme, disse que tinha um convite para ser RP da grife de Madame Grès, em Paris. Era uma armação combinada com a madame, sua velha namorada, que confirmou a história ao Adolpho pelo telefone. Assim, além de um belo salário, Justino voltou à direção com um bônus de US$ 1 mil, que um funcionário da tesouraria todo fim de mês botava na sua mão em cash, diante de toda a redação.
Mas tirar o Índio da direção de Manchete era uma obsessão de Adolpho, e ele voltou à carga em 1975. Dispensou-o da Manchete, disse que precisava dele para criar uma revista de decoração (que nunca saiu), e o homenageou com uma feijoada para centenas de pessoas. Involuntariamente, servi de instrumento para essa jogada maquiavélica do Adolpho. Desde 1972, eu editava a revista em maio, quando Justino tirava férias e ia a Cannes. Seguro de que eu poderia assumir o posto, Adolpho me empurrou para a direção da revista, onde fiquei até 1980, quando uma crise de saudosismo levou Justino e volta à Manchete e eu fiquei como seu vice.
Na primeira terça-feira de agosto, Justino me falou: "Segura a coisa aí, tchê, que vou fazer uns exames no Hospital dos Servidores". Foi embora para não voltar. Visitei-o uma vez no Servidores e outra num triste sábado na Clínica Sorocaba. Sua fama, depois de tanto tempo, só fez crescer. Como definiu o livro A Revista no Brasil (Editora Abril, 2000): "Foi o editor que desenvolveu definitivamente a fórmula do que chamou de 'beleza estética na informação'". Uma beleza flagrantemente ausente nas revistas de hoje.
* Roberto Muggiati é jornalista, foi editor-chefe da Manchete durante 20 anos