Aos 84 anos, com mais de 20 filmes no currículo, coube a Ary Fontoura interpretar o protagonista da cena final de Polícia Federal – A Lei É para Todos: o ex-presidente Lula. Para dar vida ao político, que aparece no filme já no encerramento, o ator se inspirou nas imagens da condução coercitiva fornecidas pela PF – graças à parceria com a instituição, o ator chegou a ver presos da Lava-Jato, como Marcelo Odebrecht.
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Em entrevista por telefone, Ary Fontoura fala sobre a concepção de seu personagem e sobre o que imagina da repercussão do filme.
Como foi a preparação para viver o ex-presidente Lula?
É diferente, porque a história ainda está sendo escrita, então o final é uma incógnita Confesso que este é o primeiro personagem ainda vivo que eu faço. O personagem do Lula é complexo, difícil, escorregadio, às vezes fácil de entender, noutras muito difícil. Nós, seres humanos, não temos só céu e inferno dentro de nós. A situação da cena, é, sob certo aspecto, uma agressão. É algo inusitado, e ele, com todo o know-how de presidente, não estava preparado. Achava que deveria ter tido um tratamento diferente. Nisso tudo, entra um raciocínio em cima do personagem, que, como qualquer ser humano, tem suas dificuldades de entendimento. Tem uma simplicidade que é difícil, que politicamente se torna dúbia, cheia de dúvidas. Não é um personagem absolutamente escrito e definitivo, então a gente tem que ir com cuidado.
E qual é a principal dificuldade de lidar com uma história que ainda não acabou?
Enquanto você não tem certeza absoluta das coisas, não pode ultrapassar limites e fechar algo em definitivo. Ele nem foi julgado. É preciso ir com calma. Isso, os próprios autores do filme estão fazendo com muito cuidado, restringindo-se às coisas que realmente aconteceram. O filme tem acesso aos arquivos da Polícia Federal, e praticamente todas as cenas já foram vistos pelos espectadores. Nas filmagens, procuramos o máximo de realismo em relação à forma como as cenas aconteceram, então não há espaço para deslize. Considero esse trabalho quase um documentário, um filme didático por excelência.
Lula tem características marcantes. Você o imita no filme?
Não sou absolutamente parecido com ele, não tenho características físicas, mas a magia do cinema e da maquiagem acaba sempre dando uma certa identificação. Mas não é isso que o diretor do filme procura, foi exatamente disso que se procurou fugir. Temos o nome do personagem, mas temos a concepção de como fazê-lo. Discutimos e, para fugir dessas abordagens anteriores, inclusive de programas humorísticos, sacrificamos um pouco a criatividade. Você cumpre uma finalidade melhor do que fazer uma caricatura grotesca e gozar com os assuntos e as impossibilidades de cada um. Não fica uma coisa séria.
De que maneira a parceria com a Polícia Federal ajudou? Vocês viram vídeos e chegaram inclusive a visitar os presos da Lava-Jato, correto?
Uma coisa é você saber, ficar longe, observando, até imaginando o que está acontecendo. Outra é você chegar e deparar com aquilo em si. Fico pensando como é que aquela gente consegue suportar... E não é das prisões a pior. A gente vive falando que a criminalidade do Brasil é isso, aquilo, a impunidade... Mas quando você vê uma prisão onde as pessoas todas pertencem a um núcleo social muito alto, tinham dinheiro na mão, poder, cursos, isso fica muito mais grave. Eu coincidentemente fui (aonde estão os presos da operação) num dia de visita. Aí, cara... Honestamente (pausa). Digo uma coisa muito triste: não via a hora de sair de lá de dentro. Todo mundo chorava, e eu ali, no meio de todos. O Marcelo Odebrecht recebendo os parentes, com uns víveres que tinham mandado, umas bolachas, umas coisas, ele de chinelos Havaianas, uma bermuda, camisa naval, à vontade, como costuma ficar lá, mas profundamente fragilizado. A mim pareceu uma pessoa que não aguenta mais. Você olha e pede a Deus para não cair nesse tipo de tentação, para não ter que passar por uma coisa dessas.