Philip Glass faz 80 anos dia 31. Para comemorar o próprio aniversário, ele reservou a estreia da Sinfonia nº 11, mais recente de uma longa série de músicas para orquestra. Parece que Glass escapou da maldição da Nona Sinfonia, uma superstição europeia que amaldiçoa o número e diz que quem chega na sinfonia nº 9 não vai adiante, a começar por Beethoven. Glass já está na 11ª e uma vez ele me disse como ia escapar da maldição: "Vou compor a nona e a décima ao mesmo tempo...". Parece ter dado certo.
Como Glass já deve ter o seu cartão de idoso para aproveitar as (poucas) vantagens da velhice, é óbvio que a sua música vem de outro tempo. Vem dos tempos do fim dos Beatles e da maturidade do rock norte-americano.
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Mas Glass não é roqueiro. Ele e Steve Reich, outro octogenário da música, criaram um tipo de música que no início era música de bairro, com público cativo nos lofts de Nova York, incluindo o de Yoko Ono. A música surpreendia por ser feita de pequenas frases que se repetem, se repetem e se repetem. E depois ainda repetem um pouco mais. Os franceses chamaram de "música repetitiva". Não era ofensa, era só uma constatação.
Philip Glass, como Bob Dylan, também escreveu uma autobiografia espetacular, Palavras Sem Música. É pena que o livro termine quando Glass está invadindo um dos territórios mais exigentes da música, a ópera. Já são dezenas, mas o detalhe mesmo é a primeira delas, Einstein na Praia, uma parceria entre amigos – Robert Wilson na dramaturgia, Lucinda Childs na coreografia e a música de Glass como centro. Foi justamente aí que a música deixou os lofts e invadiu a grande arte, também não desprezando a música para cinema.
Philip Glass é muito mais identificável que Steve Reich.
As suas repetições são mais rigorosas e ele não entrou por tantos desvios na construção da obra. A música dele é o que é: aterrorizadora para os intérpretes, hipnotizante para os ouvintes. A autobiografia de Glass faz com que a música pareça melhor do que é e, mesmo assim, há coisas que são indiscutíveis e carimbam a música do final do século passado. Se houver paciência, Glass é uma delícia de ouvir. Se não houver, melhor nem chegar perto.