Abre com uma guitarra punk acelerada, baixo e bateria entram de voadora e, na mesma velocidade e potência, canta a vocalista que é melhor o sujeito ir cuidar da vida dele porque ela não tem filho desse tamanho. Acredite em mim: você não vai ouvir nada mais legal do que os Seratones até o final do ano.
Pensando bem, não acredite em mim. Não precisa. Acesse o bandcamp deles, acesse qualquer serviço de streaming ou só dê aquela busca marota no YouTube pelo disco de estreia, Get Gone. Lançado em maio deste ano, é destas joias que acabam perdidas no fluxo de lançamentos e não ganham a atenção merecida. Faço aqui, portanto, uma mistura de indicação com mea culpa.
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O maior salto da Fresno
Seguindo em frente, os Seratones são nativos de Shreveport, na Louisiana. Formado em 2013, apresenta a formação básica roqueira, com A.J. Haynes (vocais), Connor Davis (guitarra), Adam Davis (baixo) e Jesse Gabriel (bateria). Mas a coisa complica logo na frontwoman, formada cantora na escola da vida das igrejas batistas. Quando Haynes abre a boca, nenhuma nota parece impossível de ser alcançada, nenhum refrão exige fôlego demais e não há gelo que não derreta – incluindo o do seu coração, estimado leitor.
Agora você dá à esse anjo um par de asas de demônio, com uma banda afundada até o pescoço em psicodelia e hard rock 60/70, toca com impertinência punk, mas revela, nas entrelinhas, alguma sensualidade funky. É também sujo e meio despretensioso, meio banda de gurizada. Se você precisa de comparações, é como se o Alabama Shakes não tivesse se tornado repetitivo e chato ou se os Black Keys tivessem à frente um dínamo negro.
É difícil até de escolher a melhor das 11 faixas de Get Gone. Especialmente porque cada uma delas tem uma personalidade diferente, levando a lugares distintos – embora todas com a mesma pegada enérgica. Mesmo quando engatam uma balada, como a jazzy Tide, os Seratones não abaixam o tom. Tente não dançar com Chandelier ou bater cabeça com Sun, tente não emular a guitarra de Davis no solo da tarantinesca Take it easy, tente não se impressionar com a abertura de Kingdom Come.
Você não vai ouvir nada mais legal do que os Seratones até o final do ano. Acredite em mim. Ou não.
TROMBETA
Os Torto
Eu fico impressionado com a resiliência de certas bandas. Não estou dizendo de entidades que ocupam uma outra realidade espaço/temporal que não a nossa, como os Rolling Stones. Falo, por exemplo, dos Torto. São mais de 20 anos tocando o puteiro no cenário autoral do Rio Grande do Sul sem nenhuma pretensão a não ser oferecer um pouco de diversão em troca de... de... de... enfim. Agora, o quarteto de laranja lança seu primeiro EP, que abre falando sobre o fim do mundo ("Não tomei banho / Não me preparei / Para o fim do mundo chegar / Mais uma vez ele não chegou"), mas cujo tema dominante é o amor – seja por uma pessoa (Todos os riffs do amor) ou mais de uma (Eu amei vocês). Skabroso, a canção que fecha o EP, é isso mesmo que vocês imaginam que seja, um ska. Rock, independente, 5 faixas, disponível para audição em ostorto.bandcamp.com
LAÇO FORTE
Tiregrito
Do Paraná vem esse peculiar quinteto, que une vertentes do rock com música tradicionalista gaúcha. Formada em 2010 por Rafael Henrique Barzotto (voz), Rodrigo André Tartari (contrabaixo), Marco Antonio Tesser Pereira (guitarra), Jhonatan Trindade Picini (bateria) e Vinícius Teixeira Urbano (acordeom), a banda já havia experimentado mistura semelhante em seu disco de estreia. Agora, ampliam seu leque para outros estilos, como o punk (O diabo pede truco), hard rock (De guitarra e gaiteiro e Las fronteiras) e música para filme de bangue-bangue (Duelo e Jardim das araucárias). Destaque também para a ciganagem de Távola retangular. Deve ser um show interessante de assistir. Rock, independente, 10 faixas, disponível para audição nos serviços de streaming
O SAMBA POCONÉ
Skank
Não são os fiapos brancos na barba. Nem a vontade de só ouvir hard rock setentista. Tampouco a saudade de misturar vinho de caixinha com vodca e acordar sem ressaca. O maior indicador de estar ficando velho são as reedições comemorativas de discos. Esta de 20 anos (VINTE ANOS!) do terceiro disco do Skank me tirou o chão. Primeiro, por notar que Garota nacional, Tão seu, Eu disse a ela e a poderosíssima É uma partida de futebol ainda soam tão frescas e vibrantes hoje quanto em 1996. Segundo, por concluir que já houve espaço (e grana) para música pop de qualidade no Brasil. A edição comemorativa vem com três CDs: um com o repertório original remasterizado, outro com demos e um terceiro com versões alternativas. Pop, Sony Music, 11 faixas, disponível para audição nos serviços de streaming