A estreia de Michel Houellebecq como romancista (antes já havia publicado poesia) se deu em 1994 com Extensão do domínio da luta, mas seu nome extravasou as fronteiras da França com o lançamento, em 1998, de Partículas elementares, um livro no qual ele estabeleceu as bases em que operaria consistentemente ao longo das décadas seguintes: romances com um olhar satírico sobre utopias coletivas do século 20 e desprezo pelo que o autor considera o caráter invertebrado da sociedade hedonista contemporânea. Tais posicionamentos, veiculados em prosa tão direta quanto veemente, não demorariam a acertar vários alvos e a provocar polêmicas que ajudaram a sedimentar a fama do escritor como énfant terrible da literatura francesa – fama que ele ainda mantém, mesmo não sendo mais um garoto.
Partículas elementares é um livro no qual dois irmãos completamente perdidos vivem vidas sem sentido ou afeto, resultado do fracasso da ideologia nova era que balizou a forma como seus pais os trataram, especificamente a mãe, uma hippie que abdica da maternidade para viajar pelo mundo. O tom ácido do livro provocou uma enxurrada de críticas, já que veio a público em uma época em que a sombra dos movimentos de maio de 1968 era muito mais longa, antes da ascensão dos novos conservadorismos e nacionalismos da última década. Com um de seus críticos mais ferozes, o filósofo Bernard-Henri Lévy, ele trocou farpas em artigos e entrevistas por uma década, até que, em 2008, ambos decidiram engajar-se em uma correspondência por cartas ao longo de seis meses, e o resultado foi um livro, provando que, provocador ou não, Houellebecq tem o hábito muito francês de não fugir do debate com seus desafetos.
No Brasil, Partículas elementares também teve sua cota de polêmicas. Um dos motivos foi a descrição que Bruno, um de seus personagens, faz do país. Depois de planejar com ironia uma possível viagem de férias ao Brasil, Bruno desdenha da ideia em termos nada simpáticos: "Conforme tudo o que sabia, o Brasil era um país de merda, povoado de brutos fanáticos por futebol e por corridas de automóvel. A violência, a corrupção e a miséria estavam no apogeu. Se havia um país detestável, era justamente, e especificamente, o Brasil".
Houellebecq veio ao Brasil em 1999 para promover a edição brasileira do romance – esteve na Feira do Livro em novembro daquele ano, e foi muito interrogado sobre o sentido dessa passagem. Precisou explicar mais de uma vez que, no contexto do livro, aquilo equivalia mais a uma sátira do desconhecimento generalizado do macho francês a respeito do mundo do que apenas do Brasil.
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Na esteira das encrencas em que Houellebecq se meteu por causa do livro, não escapou nem a própria mãe. Literalmente. A tresloucada e devassa mãe de Partículas elementares tinha base real em Lucie Ceccaldi, mãe do autor, uma hippie franco-argelina que o deixou aos cuidados dos avós ainda na infância (Houellebecq é o nome de solteira da avó que o criou). Ao longo de sua carreira, o autor chegou a comentar em uma entrevista que sua mãe já havia morrido. Mas em 2008, ainda viva e com mais de 80 anos, Lucie reapareceu e lançou seu próprio livro de memórias, A inocente, um ataque devastador ao filho, a quem descrevia como um "bastardinho mau e estúpido" e "um mentiroso, um impostor, um parasita e, acima de tudo, um pequeno arrivista pronto para fazer absolutamente qualquer coisa por dinheiro e fama". Houellebecq permaneceu em olímpico silêncio, o que até serviu para arrecadar alguma simpatia, dados os frequentes ataques feitos por Lucie ao longo da turnê de promoção do livro. Para ela, sua origem argelina seria uma das razões por que Houellebecq sempre foi tão agressivo com os árabes ao longo de sua carreira.
Em 2001, por exemplo, em uma entrevista à revista Life, Houellebecq declarou que o Islã era "a mais estúpida das religiões". A repercussão foi tamanha que associações muçulmanas francesas processaram o escritor, acusando-o de racismo – ele foi inocentado em 2002. Soma-se a esse histórico a coincidência em que se viu envolvido em janeiro de 2015. Às vésperas de lançar Submissão, seu romance no qual imagina uma França em que um partido islâmico chega ao poder, ele estava na capa do Charlie Hebdo na exata semana em que terroristas islâmicos invadiram a redação do jornal humorístico francês e mataram 12 pessoas. Houellebecq cancelou a turnê promocional do livro e passou a andar escoltado, mas mesmo assim sua situação não despertou a mesma solidariedade oferecida a Salman Rushdie em 1989, por exemplo.
– Muita gente por aí ficaria muito feliz se eu fosse morto – declarou, em uma entrevista ao jornal português Público, em junho de 2015.
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FRONTEIRAS DO PENSAMENTO
Michel Houellebecq estará em Porto Alegre na segunda-feira, 7 de novembro. O encontro será às 19h45min no Salão de Atos da UFRGS (Paulo Gama, 110). Os ingressos estão esgotados. A última palestra do ciclo será de Jan Gehl (21 de novembro).
O Fronteiras do Pensamento Porto Alegre é apresentado por Braskem, com patrocínio Unimed Porto Alegre e parceria cultural PUCRS. Empresas parceiras: Liberty Seguros, CMPC Celulose Riograndense, Souto Correa, Sulgás e Stihl. Parceria institucional Hospital Mãe de Deus, Fecomércio e Unicred e apoio institucional UFCSPA, Embaixada da França e prefeitura de Porto Alegre. Universidade parceira: UFRGS. Promoção: Grupo RBS.