Assim como certas músicas, certos governos. Algumas músicas de concerto começam num lado, vão para outro, mudam de ideia no meio do caminho e, no final, nada acontece. Não houve uma direção a seguir e nem surgiu um objetivo no final. Umas músicas de Tchaicovsky são assim. São músicas que apenas ocupam o tempo a cometer absurdos e, no final, se não se disser "basta!", lá se vão elas, cheias de si, achando-se ótimas. Assim como essas músicas, os governos.
Essa agora de extirpar fundações e, entre elas, a Fundação Piratini com sua FM Cultura e sua TVE? Que ideia! Parece coisa de música sem rumo.
Talvez seja mesmo música sem rumo. Não é possível que uma decisão dessas possa ser levada a sério. É para o bem da saúde financeira do Estado. Ah, mas não é mesmo, pois o impacto será pífio. É pelo atraso tecnológico dos equipamentos. Pode até ser, mas vontade política resolveria o problema. É porque a FM Cultura não é ouvida e a TVE não é vista. Bobagem. A medida das duas não é a da novela das sete. O patrimônio da Fundação é mais imaterial, muito mais profundo e é lamentável que esteja sob ataque.
Se diz frequentemente que, em tempos de crise, a cultura logo sofre as consequências. Não é preciso ir longe. Basta olhar à volta e dar-se conta do desmonte na cultura do Rio Grande do Sul. Isso passa pela diminuição de status das secretarias de cultura, quase reduzindo-as a repartições inoperantes. Ou museus saindo da consciência das cidades, tão raros são os momentos em que estão abertos. São as festas populares segregadas à periferia, onde não incomodem. As iniciativas vão minguando à custa menos das torneiras secas dos orçamentos do que do desprezo de quem pensa a coisa pública. Para esses, parece que entre a cultura, a arte e o nada, é preferível o nada.
Raramente se tinha chegado tão longe, no entanto, quanto se chegou agora com essa ideia bizarra de arrasar fundações e colocar os funcionários no olho da rua. Vale a pena lembrar, ainda uma vez, que tanto a TVE quanto a FM Cultura são parte de um patrimônio que não pode ser tratado como prédio degradado ou ruína à espera de demolição.
Patrimônio cultural é mais que isso, é algo mais vertical, mais profundo. Sua medida é a penetração na consciência social, sua contribuição para a construção do social e sua constância (ou, para usar a palavra da moda, sua "resiliência") através de um tempo que se mede em décadas e não em horas.
Por isso, as urgências são certas. Diante do apetite em demolir e desmontar, há urgência de resistir, pois as soluções que se apresentam agora são frágeis para o presente e irrecuperáveis para o futuro. Governos frágeis são como música sem rumo. Uns e outras têm percursos erráticos e, no final, se não se resiste, deixam ecos horrorosos no ouvido.