Um urro. E um martelo de madeira, do tamanho de uma melancia, é arremessado por um sujeito de saiote, com o corpo pintado e sem camisa. O instrumento gira no ar e se espatifa no chão. A multidão ao redor comemora, brindando com chifres cheios de bebida. Ao lado, outra turba vibra por guerreiros que brandem machados e espadas uns contra os outros. Perto dali, arqueiros fincam setas em alvos coloridos.
Três garotos, vestindo longas capas e pesados cinturões de couro, apontam para a arena e comentam:
– O rei está realmente triste pela morte do filho, mas mesmo assim fez essa festa toda. Tá bonito.
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O episódio narrado acima não saiu de um livro de histórias escandinavas do passado: trata-se do Viking Festival, evento promovido pelo coletivo Epic! Festivals, que pelo terceiro ano celebra a cultura medieval em Charqueadas, na Região Carbonífera. E, a exemplo das edições anteriores, o festim não acorre por mera obra do destino – ou quase isso. Durante todo este sábado, clãs de diversas partes do norte do mundo se reuniram para celebrar a entrada de Jorikison Hakkar, filho do conquistador viking Joriki Hakkar, no Valhalla (lugar para onde vão aqueles que são mortos em combate, segundo a mitologia nórdica).
Ocupando quase todo o Parque de Eventos de Charqueadas, cerca de 500 integrantes de orgulhosas tribos desfilavam indumentárias que ostentavam suas cores e intenções. Até mesmo seres mágicos, como elfos de orelhas pontudas e druidas de grossas túnicas e ornamentos místicos, compareceram. A maior parte respeitou o chamado do rei e vestiu suas melhores peles vikings. Outros, como os amigos e entusiastas da cultura medieval Gabriel Pittigliani, Fabio Wood, e Pedro Armiliato, todos na faixa dos 20 anos, representaram os bretões usando kilts.
– A gente pesquisou muito antes de fazer nossas roupas, não amarramos simplesmente uns panos por cima da gente – explica Fabio. – É uma maneira de celebrar a nossa herança europeia.
O trio não iria participar de nenhuma das competições, reservadas, em sua maior parte, aos clãs. Além do lançamento de martelo e arquearia, estavam previstas disputas de arremesso de machado, combate tático e o aguardado lançamento de gnomo – que apesar do nome, envolvia atirar um toco de madeira, para alívio das criaturazinhas místicas.
Coberto por um manto de feltro verde, segurando um cajado e adornado por colares de pedras, Börk (único nome fornecido pelo mago nórdico) veio com seu clã única e exclusivamente para honrar o chamado do rei Joriki. Disse não se interessar por duelos de força física, preferindo estudar os mistérios das runas arcanas.
– Meus dois irmãos irão desembainhar suas espadas pelo nosso clã. Eu, não. Eu me juntarei aos meus ancestrais em pensamento quando o sol se puser e as primeiras fogueiras forem acesas – declarou, certificando-se de que cada palavra dita havia sido anotada.
Como em qualquer festim viking, não faltou bebida – servida à vontade para os convidados, que podiam escolher entre um concentrado de cevada artesanal (conhecido fora dos limites do acampamento como chope), vinho, vodca e suco. Para comer, sanduíches de carne de porco, pães artesanais e sopas.
Em outra área, artesãos comercializavam de tudo – de hidromel a armas, passando pelos copos em formato de chifre (um dos grandes hits do festival), tatuagens definitivas, roupas e acessórios. Logo ao lado, bandas se revezavam para animar os presentes com repertório de música folclórica medieval.
A celebração estava prevista para seguir até o final da noite do sábado, mas os guerreiros e guerreiras que já haviam montado suas barracas indicavam que, se dependesse deles, Jorikison Hakkar só atravessaria de vez os portões do Valhalla quando o dia amanhecesse. Nada que ele, como um legítimo viking, pudesse desaprovar.