A gaita colombiana soa forte, mas apenas o suficiente para colorir a marcante batida eletrônica. Um acordeom entra em cena e logo uma cumbia está formada. Maldonado, um chofer de caminhão uruguaio, cita, em espanhol, nomes de países da América Latina. Em português, declara:
– O Brasil também é latino.
O recado está dado em Hecha la ley, faixa de Subtropical Temperado. Mas mais do que uma provocação, o novo trabalho do duo CCOMA, lançado agora via Natura Musical, é um convite ao diálogo – ainda que complexo, possível, entre a música brasileira e a música latino-americana. Claro que o desafio estava posto desde o início:
– Somos de Caxias do Sul. E aí você imagina: o caxiense não se vê gaúcho, o gaúcho não se vê brasileiro, e o brasileiro não se vê latino (risos) – comenta Luciano Balen, que divide o núcleo duro do CCOMA com Roberto Scopel. _ Esse disco é a nossa maneira de tentar derrubar essas fronteiras através da música.
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Subtropical Temperado começou a ser pensado logo após o lançamento de Peregrino (vencedor do Prêmio da Música Brasileira 2013 na categoria álbum eletrônico). A ideia, desde o início, era alcançar uma sonoridade mais pop e acessível, ao mesmo tempo que mantivesse o caráter experimental do CCOMA e apresentasse elementos da cultura gaúcha.
– Sempre éramos vistos como corpos estranhos nos festivais que tocamos. Não só pela nossa música, mas por sermos gaúchos que não produzem nada característico do Rio Grande do Sul – diz Scopel. – E éramos cobrados disso, de mostrar algo nosso, da nossa terra.
Há mais de dez anos na estrada, o CCOMA começou na mistura sem pudores de música eletrônica com vertentes do jazz e notabilizou-se ao abranger a worldmusic. Seus três discos os levaram a palcos conceituados da música experimental brasileira, como o MIMO (onde inclusive se apresentaram no último final de semana, em Paraty), e turnês pelo Exterior. Só era preciso, portanto, decidir o corte para o novo trabalho – que acabou surgindo de duas fontes distintas.
A primeira foi o interminável processo de pesquisa dos músicos, que esbarrou tanto na música tradicional do Rio Grande do Sul quanto na música pop brasileira produzida entre o final dos anos 1970 e meados dos anos 1980, como Marcos Valle e Azymuth. A segunda veio de uma viagem ao Uruguai.
– Fomos convidados para tocar em um festival no Uruguai e decidimos ir de carro. E de Jaguarão até Montevideo são umas seis horas, que passamos ouvindo as músicas que tocavam nas rádios uruguaias – relembra Balen. – E aí tinha de tudo, de candombe a cumbia.
O primeiro single não poderia ser mais representativo: Aprendendo a jogar. A composição de Guilherme Arantes que se tornou um clássico na voz de Elis Regina ganhou roupagem funkeada cheia de brilho com a participação da cantora Etiene Nadine e do baixista Rafael De Boni. O restante de Subtropical Temperado segue esticando ao máximo as fronteiras estéticas e temporais.
Casamento da Doralícia, por exemplo, pinçada do cancioneiro tradicional gaúcho da década de 1950, teve sua gaita sampleada sem cerimônia. De rachar o assoalho, Peleia é uma espécie de polca gaudéria com música cigana, botando sax, trombone e trompete para duelar. Tudo é nada, cantada em falsete, é puro synthpop oitentista com letra zen e barulhinhos captados das indústrias de Caxias – expediente usado também em Aço-Pessoa. E o que dizer de Mira-me, um bolero eletrônico para cabarés esfumaçados moderninhos?
Máquina Latino-americana de ritmo, no entanto, é a que melhor sintetiza as intenções do álbum – e poderia inclusive ser o apelido de Subtropical Temperado. Nasce como milonga, avança pelo tango e se traveste de cumbia costurada por sintetizadores. É a legítima música de fronteira. Que não precisando se decidir em qual lado ficar, fechou com todos.