"Troco likes". "Me segue que eu te sigo de volta". "Dá um joinha no meu canal". "Não esquece de me favoritar". "Compartilhe, por favor". Mendigar aprovação é prática corriqueira de quem vive de e para as redes sociais. Afinal, sucesso atrai sucesso. Mas e se o impacto dessa popularidade saísse do mundo virtual para o mundo real? E se passássemos a ser medidos pela nossa influência na internet?
É esse o questionamento de Perdedor, primeiro episódio da nova temporada de Black mirror, já disponível na Netflix. Em seu retorno após dois anos de recesso, o cultuado seriado britânico continua a debruçar-se sobre a influência da tecnologia no cotidiano, mantendo também seu olhar pouco otimista a respeito. E o formato de antologia. Ou seja, os capítulos não têm ligação entre si e podem ser assistidos de maneira independente.
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O que liga cada um dos episódios, além da discussão sobre os impactos da evolução tecnológica, é aquela atmosfera de pesadelo futurista que os espectadores de longa data do seriado conhecem bem. Mas não um pesadelo no estilo Blade runner, Matrix ou O exterminador do futuro. A ficção do showrunner Charlie Brooker é muito mais premonitória – e por isso mesmo assustadora – do que robôs tentando destruir a raça humana: em Black mirror, nós mesmos estamos dando cabo dessa tarefa.
Pegue Perdedor. Bryce Dallas Howard interpreta uma mulher que trabalha para conseguir algo que ela não sabe bem o que é, algo abstrato, mas que vai lhe fazer bem. E o caminho para obter êxito passa necessariamente por ser popular em um aplicativo social que permite dar notas às pessoas em tempo real. O atendente do café foi gentil? Dê cinco estrelas para ele. O churrasco do cunhado está saboroso? Aumente a reputação dele com cinco estrelinhas. A lógica também vale para o contrário, dando poucas estrelas para quem você acha que foi desagradável de alguma forma.
Essa cotação é acompanhada ao vivo através de uma lente de contato, que mostra o nome e a nota de todo mundo. Quanto maior a nota, mais benefícios a pessoa terá, como descontos no aluguel de condomínios de luxo ou atendimento médico preferencial. Notas baixas indicam que o sujeito não está se esforçando para ser popular, o que o torna automaticamente tóxico e digno de ser banido de qualquer círculo social. Nem mesmo um assento em um voo é possível conseguir sem um desempenho satisfatório.
O problema, a personagem de Bryce irá descobrir, é que ninguém está sendo sincero na rede social. Falar o que se quer ou agir de maneira intempestiva (ser um ser humano, enfim) quase sempre rende notas baixas, obrigando todo mundo a mostrar uma vida de fantasia. O mundo virtual de Perdedor é uma eterna propaganda de margarina – mesmo que seus atores morem dentro de um infomercial do mais depressivo. E a busca pelo aumento de sua reputação virtual levará a protagonista a cavar ainda mais o fundo do poço motivacional onde já se encontra.
Se, enquanto lia esse texto, você parou para ver quantos likes seu textão no Facebook recebeu ou se sua foto malhando continua a amealhar coraçõezinhos no Instagram, não tenha dúvida: Black mirror é real.