*Por Caue Fonseca e convidados
A rotina em torno dos 80 anos de Luis Fernando Verissimo tem sido atribulada. Recém de volta de São Paulo, onde abriu a Pauliceia Literária, o escritor se prepara agora para os lançamentos, nos próximos dias, em Porto Alegre, Rio e São Paulo, de seu novo livro, Ver!ssimas (Ed. Objetiva), uma coletânea de frases, reflexões e sacadas organizadas em forma de verbetes. Por vezes, os compromissos se sobrepõem: enquanto conversava com Zero Hora, Verissimo também era filmado para um documentário sobre a rotina do casarão no bairro Petrópolis onde viveram também seus pais, Erico e Mafalda.
Para esta entrevista, entremeamos entre nossas próprias questões perguntas de parceiros, fãs e estudiosos em torno de sua vida e obra. Mas mesmo entre amigos, a prosa toma um rumo familiar: Verissimo fala de seus personagens mais famosos, seu processo criativo e suas opiniões sobre política, futebol e tudo mais. Enquanto ajeita dois microfones de lapela ao mesmo tempo – para a entrevista e para o documentário – Verissimo pergunta ao repórter:
– Você é colorado ou é gremista?
Diante da resposta (gremista), se inquieta na poltrona e volta a perguntar:
– Mas sabe mais ou menos que horas temos de encerrar, né?
Verissimo se referia ao jogo América-MG e Inter, que seria realizado cinco horas depois. Um oceano de tempo para o autor, que responde boa parte das perguntas em poucas e precisas frases.
Confira abaixo os principais trechos do bate-papo.
Jorge Gerhardt, contrabaixista e parceiro na banda Jazz 6
Posso fazer a pergunta mais difícil? Como é fazer 80 anos?
Pois é. A gente se distrai e, quando vê, está com 80 anos, né? É um misto de alegria de ter chegado tão longe – eu vivi 10 anos mais do que o meu pai (Erico Verissimo), que também era cardíaco e morreu em 1975 –, mas eu tive outros recursos, que me ajudaram a viver até agora. E ao mesmo tempo é um dia a menos de vida. Em vez de um dia a mais, é um dia a menos de vida. Ou um ano a menos de vida.
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O senhor escreveu que, depois de certa idade, todo "parabéns" soa como ironia. Se sente dessa forma hoje?
Pois é. De certa forma, sim. Uma vitória e ao mesmo tempo... Bem, você está mais próximo da morte. E a gente pensa muito em morte a partir de certa idade. Mas fora isso tem o lado bom, né? Ser festejado pela família. É bom.
Marcelo Dunlop, jornalista e organizador das frases do livro Ver!ssimas
Já que o senhor me ensinou a rir da morte, me permita: o Millôr disse, certa vez, que gostaria de morrer alvejado por três tiros do surfista que o pegasse na cama com a namorada dele. Qual seria, para o senhor, a saída de cena perfeita? (risos)
Seria ir dormir uma noite e não amanhecer. Nada tão espetacular quanto o Millôr. Nada de surfistas ciumentos. Sem aventuras. Uma morte tranquila, sem incomodar ninguém. Acordar morto (risos).
Sergio Faraco, escritor
Vendo seu pai publicar livros desde criança, quando você se deu conta de que também poderia escrever?
Pois é, sabe que eu tinha uma certa dificuldade de explicar para os meus colegas de escola o que é que o meu pai fazia. Que negócio era aquele de escrever histórias? Que profissão era aquela? Bom, eu custei muito a começar a escrever. Até os 30 anos, fora umas traduções do inglês, eu nunca tinha escrito nada e não tinha intenção alguma de ser escritor. Muito menos jornalista. Foi quando eu comecei a trabalhar em um jornal, com mais de 30 anos, e quando me deram um espaço assinado para fazer, foi que eu descobri que sabia fazer aquilo. Acredito que como eu sempre tinha sido um leitor voraz e onívoro – lia de tudo – quando eu comecei a escrever, já sabia mais ou menos como é que era. Mas foi tarde…
Luis Augusto Fischer, professor de literatura e escritor
Quais os autores que influenciaram a sua escrita e ninguém desconfia? Aposto em alguns contistas norte-americanos, estou correto?
É, eu li muito os americanos. Só que as minhas escolhas aí seriam óbvias: (Ernest) Hemingway, (F. Scott) Fitzgerald... Talvez John dos Passos.
Antonio Prata, cronista e o colunista em ZH
Em algum momento, antes de começar a escrever, você sentiu aquela angústia de achar que não fora talhado para nada na vida?
Não é que eu não tivesse planos. Eu tive vários, só que nenhum deles havia dado certo (risos). O primeiro deles era ser aviador, quando era garoto. Depois arquiteto. Mas eu não quis continuar a estudar. Só quando eu comecei no jornal foi que eu descobri a minha vocação. Quando me deram um espaço para escrever.
Era o famoso Programinha, da Zero Hora, em 1967? Nos conte como funcionava.
Pois é. Era aquele guia de restaurantes e bares da cidade. E eu me divertia fazendo aquilo, porque às vezes eu inventava um restaurante que não existia, um bar que não existia. Ou inventava frequentadores que não existiam. Foi ali que surgiu o CTG erótico. Eu achei que era uma ideia tão absurda que ninguém acreditaria naquilo. Um CTG em que as prendas rodavam a saia sem nada por baixo...
Arthur Nestrovski, violonista, crítico musical e escritor
Se tivesse de escolher um único livro seu para a (neta) Lucinda ler. Qual seria?
Supondo que ela fosse começar a ler já adolescente, seria o Analista de Bagé (1981). Pra mim foi importante por várias razões. Foi o primeiro com mais repercussão, e as histórias eu gosto também. Acho que a Lucinda gostaria. O Analista surgiu de uma esquete escrita por mim para o Jô Soares. A piada era o contraste entre o personagem e o seu meio. Só que era pra ser um garçom gauchão em um restaurante francês. O Jô fez esse personagem algumas vezes e depois deixou de fazer. Como eu gostei de fazer, transformei de garçom para psicanalista. Psicanalista requer uma certa sensibilidade, mexer com o cérebro das pessoas. E o Analista não tinha nada disso.
Elias Figueroa, ex-jogador do Inter
Qual sua lembrança mais bonita do Inter daquela época (década de 1970)? E como explicaria, a um amigo meio desinformado, a situação atual do time?
Foi a melhor época do Inter graças ao próprio Figueroa, que viria a se tornar um amigo querido. O que ficou na memória foi aquele gol da final do Campeonato Brasileiro de 1975 contra o Cruzeiro. Quando o Figueroa pulou para cabecear aquela bola, um raio de sol apareceu como se fosse um refletor em cima dele. E o momento atual do colorado é o de sair do porão, né? Eu não sei o que aconteceu. Se eu fosse supersticioso apostaria em um sapo enterrado, mas eu vou ficar devendo a explicação.
O senhor escreveu que o seu melhor professor de português havia sido o Pelé. Nos explique melhor essa comparação...
Quem lembra do Pelé lembra que ele era um jogador muito objetivo. Mesmo quando ele fazia uma grande jogada, uma jogada bonita, era sempre em direção ao gol. Não era o brilho pelo brilho. Era sempre em direção ao gol. Acho que isso deveria ser uma lição para o escritor. Ir sempre em direção ao que deseja transmitir. Sem firulas, sem fugir do objetivo principal do trabalho. Acho que eu tenho essa, digamos, virtude que o Pelé tinha. Se, no caminho para o gol, você fizer alguma coisa espetacular, se esforce em parecer que foi por obrigação.
Patrícia Pillar, atriz e musa inspiradora
Algumas características suas me impressionam muitíssimo. Seu jeito amoroso de falar sobre as coisas da vida, sua independência, sua leveza e altivez... Fico pensando a que se deve o frescor, esta juventude que o mantém conectado com o que há de mais moderno em matéria de pensamento, aversão ao óbvio e um poder de síntese absurdo. A que você atribui toda essa sua criatividade?
Esses elogios da Patrícia deixam o meu ego lá em cima. Eu sempre gostei da Patrícia como atriz, como uma mulher bonita e quando eu a conheci pessoalmente passei a admirar ainda mais. É uma mulher bonita em todos os sentidos. Mas isso que ela pergunta, eu realmente não sei. Talvez a influência do meu pai, por ser um dos primeiros a escrever de uma maneira mais informal, não tão empolada.
Zuenir Ventura, jornalista e melhor amigo
Vou deixar a culinária e a literatura de lado porque é covardia. Entre o teatro, o cinema e os espetáculos musicais, qual arte você aprecia mais e por quê?
Eu escolheria a música. É o que eu mais aprecio tanto quanto ouvinte como praticante. Se eu não fosse escritor, inclusive, gostaria de ter me aprofundado mais na música. Dominado melhor meu instrumento e talvez até feito carreira. Mas agora é tarde para pensar nisso (risos).
O senhor enxerga alguma aproximação entre escrever e tocar um instrumento musical?
Eu já tentei desenvolver uma tese comparando crônica com a execução de jazz. No jazz, a gente também expõe um tema, desenvolve esse tema, faz variações sobre ele e volta para ele no final. Mas vi que a analogia não parava em pé. No fim a música é um passatempo. Aprendi um instrumento para brincar de jazzista. A banda em que eu toco, a Jazz 6, é formada por músicos profissionais e eu de metido a músico.
Jorge Furtado, cineasta
Cartola ou Nelson Cavaquinho?
Os dois. Eu gosto muito dos dois. São dois músicos de origem humilde e sofisticadíssimos.
Fernando Meirelles, cineasta
Como bom observador da alma humana que é, queria saber qual a diferença que você vê, do ponto de vista da psique, entre quem acredita cegamente na igreja, na sua bíblia e no seu pastor e quem acredita cegamente no partido, na sua doutrina e no seu líder?
Essa é braba. São duas formas de as pessoas se engajarem em alguma coisa. Deus no céu e a Igreja na terra. E o engajamento com o partido mais ou menos é isso também. Entregar a alma a um partido, a uma ideologia. Agora, uma coisa não necessariamente inclui a outra. Você pode ser um cristão com ideias progressistas, por exemplo. Uma aproximação é a questão do messianismo. Achar que o seu líder é uma pessoa com resposta para tudo.
O senhor vê espaço para a eleição de um político assim em 2018?
É difícil dizer porque não está surgindo nenhum tipo de liderança, à direita ou à esquerda. Collor pareceu em determinado momento ser uma pessoa assim, mas foi um blefe. Atualmente, a pessoa mais próxima desse perfil foi o Lula, mas será que o Lula vai se aguentar até 2018 e ser um candidato forte? É difícil de fazer essa previsão.
O senhor sempre foi muito perspicaz ao analisar nossos presidentes. Como enxerga a figura de Michel Temer?
Pois, o Michel Temer é uma figura engraçada. Porque ele escreveu aquela carta para a Dilma se queixando de ser um vice figurativo e foi de figurativo a presidente da República em poucos meses. É uma carreira política fulminante. E ele representa um tipo de pensamento econômico que é praticamente o oposto do que o PT representava. O PT não chegou a fazer um governo de esquerda, foi de centro-esquerda. Mas pelo menos representava uma certa preocupação com uma linha mais inclusiva.
GALERIA: AS AVENTURAS DA FAMÍLIA BRASIL
Mamede Mustafa Jarouche, professor e tradutor de As mil e uma noites
Na sua concepção, qual a diferença, na atividade política, entre "crime" e "erro"?
Pode se errar muito sem, forçosamente, cometer um crime. De certa forma, governar é desafiar o pensamento normal. E aí, quem tem uma certa linha, tende a achar que tudo o que destoa dessa linha é um crime. Um erro profundo.
Nelson de Oliveira (Luiz Bras), escritor
Os políticos estão desbancando os humoristas. Não está na hora de contra-atacar, enviando o Analista de Bagé para presidir o Senado e a Velhinha de Taubaté para o Palácio do Planalto?
O Analista talvez desse um jeito no Senado mesmo, tratando o pessoal como trata os seus clientes. Mas a Velhinha de Taubaté acreditava em tudo. Não é uma virtude nada boa para a política.
Breno Serafini, doutor em Letras e autor de Colloríssimo, estudo sobre as crônicas de Verissimo sobre o governo Collor
O brasileiro tem uma tradição para abordar a realidade de forma irreverente, e acredito que você tem um faro aguçado pra isso. Em que momento você percebe, ao observar a realidade, o "cheiro" de uma boa crônica? Especialmente sobre política.
Antes de mais nada, o cronista precisa ter lado. É preciso deixar claro o seu lado. A partir daí, o que destoa do que a gente pensa é assunto para crônica. Tem que deixar claro o que é que você pensa e qual é a objeção que você tem ao que está acontecendo: às linhas políticas, ou às figuras da política. A boa crônica surge desse contraponto.
Paulo Caruso, cartunista
Dado o momento ideal para retomar a campanha "Chega de intermediários, chargistas no poder", pergunto: aos 80 anos, o senhor está finalmente preparado para assumir a presidência da República?
Olha, como já disse, se eu for convidado para ser candidato eu não aceitarei. Se confirmado, recusarei. Se for eleito, eu não tomo posse. Mas se empossado, o festão vai ser uma beleza (risos).
Um dos argumentos do Caruso em prol da candidatura é que a primeira-dama é uma simpatia...
É bom gostarem dela mesmo, porque provavelmente seria a Lucia quem governaria.