"Eu sei que não vou morrer / porque de mim vai ficar / o mundo que eu construí”, escreveu Antônio Augusto Fagundes (1934 – 2015), o Nico, em Origens, conhecida parceria musical com o irmão Bagre. Os versos da canção, composta há mais de três décadas, serão mais uma vez reiterados amanhã, dia em que a família de Nico doará a maior parte dos manuscritos e livros do tradicionalista para o Delfos – Espaço de Documentação e Memória Cultural, da PUCRS. Em breve, grande parte desse material será digitalizada e compartilhada na internet.
– Doar o acervo do Nico é uma maneira de fazer a obra dele ser preservada e circular com mais facilidade. É assim que esse legado, o mundo que ele construiu, permanecerá vivo – avalia a viúva, Ana Piagetti Fagundes.
Serão encaminhados para o Delfos originais de livros escritos por Nico como Revolução Farroupilha: Cronologia do decênio heroico. Manuseando o volume, é possível perceber que o primeiro título escolhido era, na verdade, Sirvam nossas façanhas, mas foi riscado a lápis e substituído.
Detalhes como esse podem inspirar estudos sobre o modo de escrever do autor, como explica o professor Ricardo Barberena, da PUCRS:
– O Delfos é um espaço interdisciplinar. O fato dos originais de Nico serem digitalizados propicia que gente dos mais variados campos do conhecimento produza estudos sobre esse material.
Além dos originais, serão doados artigos de vestuário como palas e botas, o inseparável cachimbo e até mesmo sua certidão de nascimento, escrita à mão em 1960, quando o jovem alegretense já contava seus 25 anos – àquela época, o serviço de cartório não era tão acessível no interior do Estado, onde nasceu.
Conhecido do público como apresentador do programa Galpão Crioulo, da RBS TV, Nico era também advogado e um profundo estudioso da história do Rio Grande do Sul, com mestrado no tema em Antropologia Social. Possuía uma biblioteca com mais de 5 mil volumes sobre este e outros assuntos, que também será doada para o Delfos, ficando acessível à consulta.
O acervo se somará aos de outros intelectuais e escritores que estão abrigados no Delfos, como os de Moacyr Scliar, Caio Fernando Abreu e Carlos Urbim.
Para os próximos anos, Ana Fagundes planeja mais ações que destaquem a obra do tradicionalista. Adianta que dois livros inéditos devem sair em 2017: o volume de contos Os dez putos de Bagé e a reunião de poemas Árvore do Pampa.
Além disso, um documentário em longa-metragem a respeito de Nico está em produção. O filme é uma iniciativa da sobrinha Mocita Fagundes e contará com entrevistas que o tradicionalista deu ao ator Werner Schünemann em seus últimos anos de vida, imagens de arquivo e tomadas das paisagens pelas quais o homenageado passou, desde o pampa gaúcho até Paris – onde viveu uma temporada, em 1954.
– Para nós, da família, foi algo inédito vê-lo contar a sua própria história. Cada pessoa que conheceu o Nico tem um ponto de vista sobre ele. Queremos mostrar um pouquinho de cada uma dessas facetas ao público – conta Ana Fagundes.