Sair da cidade natal para morar no centro do país e se tornar artista de televisão, famosa e bem-sucedida é o sonho de milhares de meninas. Mas, diante das tantas dificuldades do caminho, o desejo alimentado desde novinhas acaba ficando para trás, e, raramente, uma se destaca na multidão. Pois, em Porto Alegre, uma dessas raras estrelas despontou e, há 14 anos, brilhava pela primeira vez na telinha da TV Globo. Sheron Menezzes, 32 anos, deixou as raízes no Sul do Brasil para se estabelecer no Rio de Janeiro, ainda adolescente.
Munida de empenho, perseverança e talento, construiu uma carreira sólida de atriz que chega a um dos seus momentos mais marcantes com a Bertoleza, de Liberdade, Liberdade, uma personagem tão complexa como grandiosa por tudo que representa social e historicamente.
Confira a trajetória da "cariúcha" e um papo exclusivo com Sheron, durante uma breve passagem pela Capital. Ela fala sobre as agruras do papel na novela das 23h e vida pessoal.
Estreia com o pé direito
Com 14 anos de carreira na TV Globo, paciência e persistência foram as grandes aliadas de Sheron. A começar pelo primeiro papel na telinha, como a Júlia, de Esperança (2002). A oportunidade chegou depois de quatro anos fazendo testes e ouvindo muitos "não".
– Mas nunca desisti. Sempre amei interpretar e, quando decidi que era isto o que eu queria para a minha vida inteira, comecei a estudar. Queria aprender tudo sobre esta arte – disse ao Diário Gaúcho, na época, a atriz, formada pelo Tepa (Teatro Escola de Porto Alegre).
Mas a espera valeu a pena. O autor da trama, Benedito Ruy Barbosa, chegou a mudar a idade da personagem, inicialmente mais velha, para que fosse interpretada pela gaúcha, na época, com 18 anos. Júlia era descendente de escravos criada cheia de regalias pela baronesa do café Francisca (Lúcia Veríssimo).
Foi naquele ano que Sheron, que trabalhava como modelo desde os 13 (ela chegou a ser Primeira Princesa no concurso Garota Verão, no ano 2000), mudou-se para o Rio e não parou mais.
Pra frente e avante!
Talentosa, emendou um trabalho no outro na TV Globo, de Esperança a Celebridade (2003), passando por Como Uma Onda (2004) até Belíssima (2005). Depois, foi quase uma novela por ano na emissora, com os mais variados personagens.
Entre os papéis de maior destaque, estão a preconceituosa Solange, de Duas Caras (2007), a invejosa Berenice, de Lado a Lado (2012), a sua primeira vilã, e a advogada Paula, de Babilônia (2015), uma mulher bem-sucedida, independente e cheia de estilo.
Cheia de versatilidade, Sheron deixou para trás o estigma de atrizes negras fadadas a papéis de empregadas ou escravas nas novelas, provando que está pronta para qualquer desafio.
Marco na história e na alma
Por falar em desafio, a novela das 23h é um prato cheio para a atriz, que vive uma das suas personagens mais complexas na tevê. Ainda criança, Bertoleza foi comprada e alforriada por Raposo (Dalton Vigh), que a criou junto a seus dois filhos, Joaquina (Andreia Horta) e André (Caio Blat).
Em cenas das mais fortes já exibidas na trama de Mario Teixeira, Bertoleza foi sequestrada por Gaspar (Romulo Estrela), um contrabandista de escravos, e torturada, com direito a pele marcada a ferro e fogo.
– A primeira cena que eu fiz dessa sequência foi a última a ir ao ar, a cena do banho, depois que ela volta pra casa. É muito difícil gravar tendo que demonstrar a sensação de tudo o que você já passou só que antes de ter gravado isso. Mas eu entrei em cena, e tudo veio, parecia que eu já sabia tudo o que eu tinha sentido – conta a atriz, completando:
– Alguém me contou, alguém encostou em mim e me falou. Com certeza, a gente está acompanhado de nossos antepassados nesses momentos.
No programa Encontro Com Fátima Bernardes, em junho, a atriz revelou ainda:
– A Bertoleza tem me deixado muito triste em casa. Choro quando eu leio, gravo e assisto.
Racismo: muito além da ficção
Embora Liberdade, Liberdade se passe em 1808, não é só na ficção que Sheron tem de lidar com o preconceito, tema mais atual do que nunca. No final de 2015, a exemplo de outras atrizes negras que passaram pelo mesmo drama, Sheron foi vítima de ataques racistas em sua página no Facebook.
A resposta da atriz veio em seu perfil no Instagram. "Desprezíveis racistas (...) Vão ter que engolir a mim e a tantas outras pessoas negras em nosso país! (...) Quero lhes dizer que saiam da frente com sua inveja, pois estamos passando com o nosso cabelo maravilhoso, com a nossa linda cor, nossa beleza, nossa educação e nossa inteligência (...) Fui treinada desde criança, e sei o meu valor!", diz um trecho do texto publicado pela atriz.
Disciplina que salta aos olhos
Se os trajes de época de Bertoleza pouco revelam do corpo de sua intérprete, em ensaios, capas de revistas ou num dia de praia, Sheron deixa homens e mulheres babando pela sua silhueta perfeita. Mas manter tudo isso em dia não é fácil, como ela revela:
– Sou muito sistemática e disciplinada. Eu gosto de exercício, malho, corro, faço muay thai, pilates, balé fitness. Se eu não estiver gravando, chego a fazer três modalidades de exercício por dia. Eu gosto de comer, então, preciso fazer exercício. Agora, tô correndo muito, o que está me ajudando bastante.
Casório à vista? "Vai ter o momento, sim"
Filha da escritora Veralindá e do contador Haroldo Menezes, Sheron é a mais velha de quatro irmãos: Draiton, que é técnico em informática, Drayson e Sol, que também tentam a carreira artística.
Até 2010, Sheron assinava Menezes, mas, naquele ano, aderiu à numerologia e alterou a grafia do sobrenome para Menezzes, com dois "z".
– Eu acredito em tudo que é bom é válido. Coloquei, e deu tudo certo na minha vida, além de ser mais bonito – disse ela em entrevista ao Programa do Jô.
Há três anos, ficou noiva do modelo Saulo Bernard, com quem está desde 2011. Mas, com uma carreira cada vez mais ascendente e um trabalho atrás do outro, a linda admite que não sabe precisar quando o casório sai.
– Nunca sei o que responder, porque, toda hora, surge um trabalho novo, e eu nunca sei quando é a hora de parar. Qual é essa hora? Difícil saber. Mas vai ter um momento, sim – garante a atriz.
Grande papel, fortes emoções: "Ela é um bibelô"
Em sua passagem por Porto Alegre, no mês passado, para um evento no qual fez presença vip, Sheron conversou com a reportagem sobre o desafio de dar vida a uma escrava alforriada, que ela define como "única e diferente de tudo que já fez". E também comentou a relação com sua terra. Confira!
Retratos da Fama – Como tem sido fazer a Bertoleza?
Sheron Menezzes – Tá muito bacana. Estou muito feliz com essa personagem. Ela é muito diferente de tudo que eu já fiz, e também diferente dentro do contexto da novela. Bertoleza não se encaixa: não é negra para os negros porque se veste como uma branca, mas não é branca para os brancos porque é uma negra. Ela é única e não se encontra naquele meio, então, é muito difícil de fazer e, ao mesmo tempo, muito prazeroso.
Retratos – Qual é a sensação ao gravar cenas de uma época em que os negros eram escravizados, como aquelas em que Bertoleza foi sequestrada e torturada?Sheron – A emoção vem de verdade. Por mais que a gente consiga separar as coisas, pense em alguém te colocando uma corrente no pescoço, outra nos pulsos, te amarrando... Você se sente impotente, por mais que você saiba que alguém vai abrir e tirar as correntes. Quando você pensa como era a vida dos seus antepassados, é de doer o coração.
Retratos – Qual foi até agora a cena mais difícil de fazer?
Sheron – Tudo é difícil desde o início com a Bertoleza, porque ela é uma personagem muito delicada, ela é um bibelô. Colocá-la nesse lugar e, depois, ter que desconstruí-la para compor outra coisa, apanhar, correr, fugir... Eu fiquei toda machucada de verdade! Me machuquei porque sou muito intensa, se tenho que me jogar no mato, eu me jogo mesmo, só que tem um monte de espinhos, galhos, e eu fiquei toda cortada.
Retratos – Como você se preparou para viver essa personagem? Onde buscou referências?
Sheron – Assisti a vários filmes para pegar referências da época. Então, desde o cabelo, a posição de mãos, a postura, o jeito como ela fala, que é completamente oposto da Joaquina, é contido, tudo eu tive que trabalhar. Pesquisei muito para que ela fosse essa bonequinha, coisa que eu nunca fiz antes.
Retratos – Sua carreira está numa crescente, com personagens cada vez mais destacados. A que você atribui essa trajetória ascendente?
Sheron – Dedicação e estudo. Nada é por acaso, a gente até cresce muito rápido, mas também cai. Manter a profissão requer muito estudo, e eu sou muito empenhada. Graças a Deus, sou muito caxias, estudiosa. Todos os papéis que fiz até aqui foram fundamentais. Desde o teatro no Tepa, os comerciais que eu fazia, tudo foi importante até hoje. Sempre acho que as pessoas me acompanham e me dão mais oportunidades.
Retratos – Como é a sua relação com Porto Alegre hoje?
Sheron – Eu gosto de vir quando posso, minha família é daqui, minha sobrinha, que é minha afilhada, mora aqui, venho para vê-la. Eles vão mais do que eu venho, estão toda hora lá no Rio.