Ser alternativo nunca foi a intenção de Jards Macalé. Com uma carreira de mais de meio século, o carioca viu na sua personalidade inquieta e revolucionária um obstáculo ao sucesso que contemporâneos como Caetano Veloso e Chico Buarque alcançaram. Marginal simplesmente por fazer música durante a ditadura e maldito após a redemocratização, o músico vê a internet como sua aliada atual em um processo de redescoberta de seu trabalho pelas novas gerações.
– Vários artistas jovens estão me reinterpretando – diz.
Aos 73 anos, Macalé está compondo músicas novas (“Quando vem, vem”), planeja um disco de inéditas e participa, como ator, de Big Jato, filme de Claudio Assis que estreia nesta quinta nos cinemas. Em meio à agenda ocupada, chega a Porto Alegre apenas com seu violão, para tocar no banquinho do Sgt. Peppers. A apresentação de Macalé em Porto Alegre faz parte do projeto Noites Especiais, do músico Antonio Villeroy, que já trouxe, entre outros convidados, Ed Motta e João Bosco.
Você faz este show sozinho. É muito diferente da apresentação com banda que fez no ano passado em Porto Alegre?
Com certeza. Com banda, você distribui as atribuições, a harmonia, os solos. Quando toco só com violão, sou a própria banda. Mas eu sempre me reinvento, não sei ficar fazendo a mesma coisa. Então, sempre há algo novo nas músicas. Desta vez, vou tocar outras canções do meu repertório, não apenas o que está no DVD.
À época da sua primeira visita à capital gaúcha, nos anos 1960, a censura era um obstáculo para os artistas. Hoje, quais são as barreiras?
Imagine como era antes, sem esse veículo que é a internet, no qual você tem tudo e pode alcançar qualquer pessoa para divulgar seu trabalho. Mas acho que o mais difícil, antes, era entrar no mercado mantendo a independência estética, tendo um trabalho autoral. Ao escolher quem iria gravar ou não, o mercado fazia uma espécie de censura. Eu, Luiz Melodia, Sérgio Sampaio, Jorge Mautner e alguns outros éramos tidos como malditos, e era interessante porque nos destacávamos em meio ao padrão do mercado. Só que, a partir de 1985, com a redemocratização, “maldito” deixou de ser qualidade e virou uma maldição, mesmo. Vi no dicionário que o verbete era horroroso, aí comecei a combatê-lo.
Seu DVD Jards Macalé ao vivo (2015) foi gravado no Theatro São Pedro. De onde vem essa relação de proximidade com Porto Alegre?
Da primeira vez que saí do Rio: eu trabalhava no show Opinião, com a Maria Bethânia (que, à época, substituía Nara Leão), e fomos ao São Pedro (em 1965). Fazer o DVD em Porto Alegre foi uma proposta da minha esposa, (a cineasta gaúcha) Rejane Zilles.
Você atua no filme Big Jato, que estreia amanhã em cinemas de todo o Brasil. Como foi esse trabalho?
Não sou ator profissional. Sou amador, no sentido de amar o cinema e amar estar na condição de intérprete, de vez em quando. Amo o cinema como eu amo a música. E geralmente faço música visualmente, tentando colocar a poesia como imagem, então acho que há uma relação com o cinema. Nesse filme, além de atuar, também fiz uma canção da trilha. A história é interessante: a letra é da filha de uma moça da produção, uma menina de 10 anos que escreveu um poema enquanto estávamos filmando no interior de Pernambuco. Ela chegou e leu o texto para mim. Achei fantástico. E gravei.
ARDS MACALÉ
Hoje, às 21h. Abertura da casa às 20h.
Sgt. Peppers (Quintino Bocaiúva, 256), em Porto Alegre.
Ingressos: R$ 100. Informações e reservas: (51) 9246-7780.
O show: músico apresenta-se na série Noites Especiais, que tem curadoria do cantor e compositor Antonio Villeroy.