O cenário não poderia ser mais apropriado para uma história de clima pesado, personagens traidores e mortes em sequência: o Cemitério da Santa Casa de Misericórdia, em Porto Alegre. Não que o roteiro tenha sido pensado especialmente para o local – até porque ele não foi pensado. A peça Shakespeare inédito, trazida pela companhia argentina Liga Profesional De Improvisación a Porto Alegre como parte da programação do Festival de Teatro de Rua, é uma improvisação que parte de quatro dos personagens mais conhecidos da obra de William Shakespeare. Encenada nesta sexta e com nova sessão no sábado, tem como um de seus atrativos a criação em tempo real, pela própria plateia, de um script, a partir de provocações do diretor Ricardo Behrens.
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– Esta história se passa no reino de...
– Lemúria! – grita alguém, numa referência à lenda do continente perdido.
– E em Lemúria, o rei Ricardo III está...
– Apaixonado! – sugere um.
– E o problema desta paixão é que a mulher por quem ele está apaixonado...
– É jovem demais! – berra outro.
E assim prossegue a criação em tempo real do roteiro da peça que será encenada em seguir: apaixonado por Julieta (de Romeu e Julieta), o rei Ricardo III (da peça de mesmo nome) pouco se importa com a população de Lemúria, que passa fome. Enquanto isso, a jovem pensa em uma maneira de se livrar do rei, por quem não sente qualquer atração. Há ainda os personagens de Lady Macbeth (da tragédia Macbeth) e Hamlet (personagem central da peça mais famosa de Shakespeare).
– O espetáculo tem tudo a ver com a ideia do festival, porque nossa intenção é mesmo que a o público interaja e intervenha na peça. E o cemitério, em especial, dá todo uma ambientação especial, que tem tudo a ver com a temática recorrente em Shakespeare – avalia o argentino Behrens, que durante a peça atua como um diretor interativo, que sugere aos sussurros falas aos atores, caminha de lá para cá com elementos do cenário e comanda luz e som apenas com gestos.
Com duração de pouco mais de uma hora, a montagem gratuita é um exercício curioso de improvisação que acaba tomando rumos inesperados em seu desenvolvimento. Para o diretor, o fato de partir da obra shakespeariana ajuda. A máxima de que o autor britânico resumiu todas as histórias possíveis em suas obras parece ser verdade no espetáculo de Behrens:
– Partimos de uma base, que são os personagens, mas a ideia é que o espetáculo seja realmente vivo. Com isso, conseguimos perceber que realmente há temas universais, como o amor, a morte, as relações humanas, o poder, que estão representadas de maneira primordial na obra de Shakespeare.
Como havia acontecido com o Carmen's Club, que recebeu o espetáculo Kassandra, no domingo passado, a escolha de um cemitério é parte da premissa do Festival de Teatro de Rua de Porto Alegre – segundo seu coordenador, Alexandre Vargas, a ideia fazer com que tudo possa se transformar em palco.
– Queremos ampliar o conceito de rua, por isso viemos para o cemitério. Mudar o que as pessoas estão acostumadas também faz com que elas pensem. Essa é a intenção do festival e, se a gente propõe, vemos que o público acompanha. As pessoas vieram, fizeram o passeio guiado, tiraram fotos, prestigiaram a peça _ comemora Vargas.
Shakespeare inédito
Nos 400 anos de morte do grande dramaturgo inglês, esta produção da Liga Profesional de Improvisación (Argentina) cria uma dramaturgia ao vivo, com personagens retirados de diferentes peças do autor.
Sábado, às 18h, no Cemitério da Santa Casa (Avenida Oscar Pereira, 423).
Entrada gratuita.