A autorização do Ministério da Cultura (MinC) à captação de R$ 356 mil para o projeto de um livro sobre a cantora Claudia Leitte, em fevereiro, foi apenas a mais recente polêmica levantada a respeito da Lei Rouanet, mecanismo que permite investimento de empresas e pessoas em cultura por meio de renúncia de parte do Imposto de Renda. Depois da controvérsia, o projeto foi abandonado, mas não foi o primeiro caso rumoroso envolvendo artistas consagrados. Em um novo capítulo das discussões sobre o dispositivo, foi protocolado na Câmara dos Deputados, na última quarta-feira, um requerimento para a abertura da CPI da Lei Rouanet, com o objetivo de investigar supostas irregularidades.
A proposta de Alberto Fraga (DEM-DF) e Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ) obteve mais do que as 171 assinaturas de deputados necessárias. O texto questiona os critérios utilizados na admissão de projetos, referindo-se a "casos estranhos de aprovação de valores astronômicos para projetos pífios ou de repasses que acabam sendo uma forma de bancar patrocínio privado com dinheiro público. Ou de projetos de grande porte que teoricamente não precisariam do auxílio, aprovados pelo ministério".
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Criada há 25 anos, a Lei Rouanet terminou por configurar o principal meio de financiamento de projetos culturais em nível federal. Com a polarização política do país nos últimos anos, a lei passou a ser acusada por oposicionistas aos governos Lula e Dilma Rousseff de servir ao favorecimento de um grupo seleto de artistas alinhados ideologicamente ao poder. Em depoimento ao jornal Folha de S.Paulo, o deputado Fraga afirmou que "o MinC está sendo utilizado por meia dúzia de pessoas que são simpatizantes do PT e que conseguem recursos".
A acusação de ideologização é contestada por especialistas no tema. Apenas no ano passado, 5,4 mil projetos de artes cênicas, música, artes visuais, patrimônio cultural e outras áreas obtiveram autorização. Críticos do PT, como Claudio Botelho, da produtora de musicais Möeller & Botelho, viabilizam atividades por renúncia fiscal. A lei foi criada durante o governo Collor e funcionou durante as duas gestões de Fernando Henrique Cardoso.
De qualquer forma, o debate inflamou os ânimos em um contexto no qual a Rouanet vem sendo objeto de debate técnico sobre pontos a serem aprimorados. Entre as ressalvas, está o excesso de concentração de recursos em projetos da região Sudeste e o desguarnecimento de ações de relevância cultural de menor apelo comercial. Mudanças estão previstas no projeto de lei conhecido como Procultura, que foi debatido durante seis anos e atualmente tramita no Senado. Agora, o futuro da Lei Rouanet depende de uma posição do novo ministro da Cultura, Marcelo Calero, que assumiu em meio à resistência de grande parte do meio cultural ao governo interino. Michel Temer chegou a assinar a extinção do Ministério da Cultura, mas voltou atrás depois de protestos em diferentes regiões.
ZH solicitou um posicionamento do ministério sobre a Rouanet, mas não obteve resposta até o fechamento desta reportagem. Em entrevista coletiva no último dia 18, Calero apoiou o mecanismo:
– O que não pode acontecer é essa satanização de um instrumento que até hoje tem se revelado o principal financiador da cultura. Críticas são bem-vindas, acho que, sim, há distorções a serem corrigidas, mas não podemos demonizar a Rouanet.
A avaliação de que a lei tem sido historicamente positiva para o setor cultural e, consequentemente, para o país é compartilhada por estudiosos como Fábio de Sá Cesnik, advogado especialista em políticas de financiamento cultural e autor do livro Guia do Incentivo à Cultura (edição Manole):
– A Lei Rouanet, como qualquer lei em vigor com poucas alterações há mais de 20 anos, apresentou ao longo do processo necessidades de atualização e melhoria. Agora, o que ela vem produzindo tem sido bastante benéfico para a cultura brasileira de maneira geral. Houve alterações legislativas que ampliaram os benefícios da lei e geraram resultados na média mais positivos do que negativos. Claro que a reformulação legislativa (por meio do Procultura) viria muito bem, mas o que se tem é bom.
Na opinião de Leandro Valiati, professor de Economia e coordenador do Grupo de Trabalho Economia Criativa, Cultura e Desenvolvimento da UFRGS, as acusações que ideologizam o debate em torno da Lei Rouanet representam uma "pobreza intelectual" e um "desvio de foco":
– Você não pode eleger um ou outro artista e atribuir a ele um problema que é maior e diz respeito ao próprio sistema de subsídio à cultura. Como as empresas patrocinadoras são atraídas pelo público e pela exposição publicitária de grandes artistas, elas são beneficiadas pelo sistema de incentivo, seja em um governo de esquerda ou direita. Estes artistas não são financiados por um determinado governo, mas por um sistema que é do Estado brasileiro.
Para ser viabilizado por meio da lei, um projeto precisa ser submetido a um rito burocrático que inclui o parecer de um dos órgãos setoriais (Biblioteca Nacional, Funarte ou Iphan, dependendo da área da proposta) e a recomendação da Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (Cnic), composta por 21 membros da sociedade e do poder público. Depois, vem a sanção do Ministério da Cultura. A autorização para captar por meio de incentivo fiscal não significa que o projeto sairá do papel. Pelo contrário, aqui começa a etapa mais difícil para os produtores culturais: a busca por recursos junto a empresas ou pessoas físicas. O índice é historicamente baixo. Em 2015, apenas 23,14% dos valores aprovados para todo o país foram efetivamente captados, o equivalente a R$ 1,18 bilhão (R$ 1,13 bilhão por renúncia fiscal e R$ 52 milhões por apoio privado).
Três ferramentas reduzidas a uma
Baseada, em parte, na Lei Sarney, de 1986, que já previa a possibilidade de renúncia fiscal para investimento em cultura, a Lei Rouanet foi sancionada em dezembro de 1991 pelo presidente Fernando Collor, em um momento de penúria para a economia do setor. A legislação, lançada pelo então secretário de Cultura Sergio Paulo Rouanet, portanto, tinha a intenção de ajudar a dinamizar a cultura. Com o objetivo de distribuir os recursos de forma equânime entre projetos de maior e menor apelo comercial, o documento previa três mecanismos: o Fundo Nacional de Cultura (FNC), com orçamento para investimento direto do governo; os Fundos de Investimento Cultural e Artístico (Ficart), para a aquisição de cotas em projetos e a obtenção de retorno sobre os lucros; e o mecenato, ou seja, a captação por meio de renúncia fiscal. O Ficart nunca foi utilizado, e o FNC sofreu, ao longo do tempo, cortes de verba significativos, o que praticamente o inviabilizou. Em 2000, o Fundo chegou a representar 30,9% dos investimentos pela lei, e o incentivo fiscal, 69,1%. Em 2015, minguou para 2,2%, e o incentivo chegou a 97,8%.
Especialistas entendem que alguns dos problemas atribuídos hoje à Lei Rouanet – como o poder de decisão concentrado nas mãos do departamento de marketing de empresas patrocinadoras, privilegiando iniciativas com maior potencial de visibilidade – se originam no fato de as três ferramentas terem se reduzido a só uma, o mecenato. Diz-se, também, que o mecenato teria "viciado" as empresas em investir quase exclusivamente por meio de renúncia fiscal. Eduardo Saron, diretor do Instituto Itaú Cultural, que investiu R$ 80 milhões em cultura em 2015, dos quais R$ 15 milhões pela Lei Rouanet, observa:
– Essa crítica de que a lei fica sob a égide do diretor de marketing ocorre por causa da distorção da não aplicação por inteiro do que o legislador e o próprio Sergio Paulo Rouanet previram ao construir essa engenharia muito positiva que era o FNC, o Ficart e o mecenato. Na medida em que entraram em vigor de forma desbalanceada, a leitura sobre o papel da lei ficou distorcida.
A polêmica voltou a ganhar evidência em fevereiro último, quando o Tribunal de Contas da União (TCU), analisando representação do Ministério Público, determinou que a captação de recursos pelo mecenato não deve ser autorizada para "projetos que apresentem forte potencial lucrativo, bem como capacidade de atrair suficientes investimentos privados independentemente dos incentivos fiscais". A análise teve como base o Rock in Rio de 2011.
No documento do TCU, o relator Augusto Sherman afirmou que não vislumbra interesse público na renúncia de Imposto de Renda na realização de um evento como Rock in Rio, "com altíssimo potencial lucrativo". "Parece-me que esta também é a percepção da sociedade, razão pela qual autorizações de incentivos fiscais a projetos da espécie ganham a atenção da mídia", completou.
Com a determinação, o TCU atribui ao Ministério da Cultura uma tarefa que a pasta vinha evitando: traçar um limite entre o que é um projeto de potencial lucrativo que poderia ser viabilizado por conta própria e o que é um projeto que necessita de incentivo fiscal.
Carlos Paiva, ex-secretário de Fomento e Incentivo à Cultura federal antes do governo interino, avalia que a proibição afetará "um número muito pequeno" de projetos. Não há prazo para que a determinação seja cumprida, mas suas consequências preocupam agentes culturais. Adriana Mentz Martins – produtora do Porto Alegre Em Cena, do Festival de Cinema de Gramado e do Natal Luz de Gramado – interroga os critérios a serem adotados:
– Como poderão avaliar tudo que envolve o evento? Como viabilizar o projeto sem o aval da Lei Rouanet? Somente com recurso de bilheteria torna-se impossível, e a verba de marketing (das empresas patrocinadoras) é fato raríssimo. E quem bancaria a contrapartida, a democratização do acesso?
Para o advogado Fábio de Sá Cesnik, a decisão tem um caráter "mais moralista do que jurídico":
– Se a lei permite projetos com finalidade lucrativa, como vou conseguir estabelecer um corte nesse tipo de projeto? É um dilema.
Concentração de recursos nos Estados do Sudeste
Com o estabelecimento do incentivo fiscal como principal ferramenta de política cultural do governo, um efeito se tornou tema de debate: a concentração dos recursos em projetos no Sudeste, especialmente São Paulo e Rio. Em 2015, 79% dos recursos captados com patrocinadores foram para esta região.
Os Estados do Sul ficaram com apenas 13%.
– Como o incentivo fiscal é o único mecanismo que funciona na prática, naturalmente tem um viés concentrador – afirma Carlos Paiva. – Na Rouanet, o incentivo não apenas é concentrador como é concentrador acima de qualquer outra referência no país, como população, PIB e Imposto de Renda. Isso faz com que a lei não contribua para iniciativas que não se sustentam (comercialmente) ou que não tenham apelo para o patrocínio privado.
Henilton Menezes, que foi o titular da Secretaria de Fomento entre 2010 e 2013, realizou um estudo de fôlego, com apoio da Associação dos Produtores de Teatro do Rio de Janeiro (APTR), que diagnosticou os impasses do mecanismo. Com cerca de 600 páginas, o documento A Lei Rouanet Muito Além dos (F)atos, que uma editora atualmente avalia para publicação em formato reduzido, é resultado da análise de estatísticas entre 2010 e 2014 e pesquisas de campo. Menezes identificou alguns fatores que ajudam a explicar a concentração de recursos. Um deles é que a Lei Rouanet é baseada na renúncia fiscal do Imposto de Renda, cuja arrecadação está concentrada no Sudeste. Em 2012, a arrecadação do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica em São Paulo representou 44,22% do montante do país, enquanto a captação de verba pela Rouanet naquele Estado foi de 44,14%. Se analisada toda a região Sudeste, as proporções foram 69,25% e 80,80%, respectivamente. Outra explicação é que apenas empresas tributadas pelo regime de lucro real podem investir pela Lei Rouanet. São grandes empresas, portanto, usualmente sediadas no Sudeste. Além disso, Menezes acrescenta que a forma de registro dos projetos no sistema do MinC pode ter inflacionado os dados de concentração de recursos:
– As grandes produtoras culturais e boa parte das pequenas estão no Rio e em São Paulo. O disco do Ednardo, um artista cearense, foi mixado e masterizado em Fortaleza, toda a equipe técnica e os músicos eram cearenses, mas o projeto aparece no MinC como se fosse do Rio, porque a empresa que enviou o projeto é do Rio. O sistema contabiliza pelo CNPJ do proponente. Há muitos casos deste tipo.
Especializada em economia da cultura, Ana Carla Fonseca, diretora da Garimpo de Soluções, conclui:
– Se um dos objetivos da política cultural é favorecer a produção cultural na vastidão do território brasileiro, é evidente que uma lei que segue a concentração de riqueza econômica do país não é a mais adequada. Da mesma forma, se a política cultural prevê o estímulo à diversidade das expressões culturais brasileiras e nem todas têm o mesmo apelo de mercado, uma lei que tem a aplicação de recursos decidida por empresas não é compatível com esse objetivo. Ou seja, a Lei Rouanet realmente precisa ser adaptada.
Ana Carla elogia efeitos positivos atribuíveis "em boa parte" à lei em seus 25 anos, como o impulso à profissionalização de produtores e outros profissionais, o surgimento de cursos sobre gestão cultural, a formalização de profissionais e a aproximação de empresas ao universo cultural com "recursos impensáveis sem a lei". Mas ressalva:
– Uma lei de incentivo à cultura não é uma política cultural, embora por muito tempo tenha sido tratada assim, e sim um instrumento de política cultural. Ser ou não adequada, portanto, depende dos objetivos de política cultural traçados. Se a política cultural de hoje não é a mesma de há 25 anos, seus instrumentos também deveriam ser ajustados. É mais fácil criticar a lei do que o fato de as várias gestões do Ministério da Cultura das duas últimas décadas não a terem ajustado à realidade do momento.
É neste ponto do debate que entra o Procultura, atualmente tramitando no Senado, que tem o objetivo de substituir a Lei Rouanet, corrigindo alguns de seus vícios e recuperando, com novos critérios, o tripé original que previa o Fundo Nacional de Cultura, o Ficart e o mecenato. Mas nem todos estão convencidos de que será o suficiente.
O consenso na área: a Rouanet tem de mudar
Se existe uma unanimidade entre os diferentes atores da cultura – produtores, artistas, economistas da cultura e até mesmo representantes do governo – é de que a Lei Rouanet, embora positiva para o setor, não pode continuar como está. Dos 5,4 mil projetos aprovados em 2015, apenas 3,1 mil conseguiram captar recursos. Toda a captação histórica realizada nas regiões Norte e Nordeste de 1993 a 2015 (R$ 945,22 milhões) equivale à captação da região Sudeste apenas em 2015 (R$ 941,43 milhões).
– A lei precisa ser pensada com estrutura diferente. O problema não é o instrumento de renúncia fiscal, mas como lançar mão dele junto com outros importantes instrumentos de financiamento da cultura. Acredito, sobretudo, na necessidade de criar um novo sistema de subsídio. Não precisamos acabar com a Rouanet, mas transformá-la em parte desse sistema maior – avalia o professor de Economia Leandro Valiati, da UFRGS.
O objetivo geral do Procultura é diminuir a concentração regional e setorial por meio de "pontuações" para cada categoria que torne mais atraente, do ponto de vista fiscal, o investimento em projetos de menor apelo comercial. O Fundo Nacional de Cultura, que atualmente não tem um piso, passaria a ter orçamento no mínimo igual ao destinado ao incentivo fiscal – o que somaria, neste ano, mais de R$ 1 bilhão. Cada região do país receberia, no mínimo, 10% do valor.
Haveria modificações também no incentivo fiscal. Atualmente, os projetos se enquadram em duas categorias. O artigo 18 da lei (artes cênicas, livros, música erudita ou instrumental e exposições de artes visuais, entre outros) permite dedução de 100% do valor incentivado até o limite de 4% do imposto devido (pessoa jurídica) ou 6% (pessoa física). Em 2015, 94% dos recursos se enquadraram neste item. Já o artigo 26 (demais atividades culturais) permite a dedução de 30% (patrocínio) ou 40% (doação) até o limite de 4% do imposto devido para pessoas jurídicas e de 60% (patrocínio) ou 80% (doação) até o limite de 6% para pessoas físicas. No Procultura, haveria novas faixas de dedução, podendo chegar a 100%. Além disso, empresas com faturamento até R$ 300 milhões poderiam incentivar até o limite de 6% do imposto devido, e as com faturamento superior seguiriam podendo deduzir até 4%. O Procultura ainda prevê a instauração de incentivo fiscal para o Ficart, ferramenta que nunca havia decolado, pela qual é possível comprar cotas de projetos.
O problema: desde 2010, leis sobre renúncia fiscal devem ser revistas a cada cinco anos, o que não afeta a Lei Rouanet, por ser antiga, mas valeria para o Procultura, submetendo-o a inconstâncias políticas. Em março, o Ministério da Cultura enviou uma proposta ao relator do projeto, senador Roberto Rocha (PSB-MA), que manteria formalmente o mecanismo de incentivo anterior, blindando-o às revisões periódicas, e incluindo temas como políticas afirmativas e simplificação da prestação de contas. Este item tem uma justificativa: um dos desafios do MinC, hoje, é modernizar a fiscalização dos projetos. Em agosto de 2015, havia 11,5 mil prestações de conta entregues, mas não analisadas, somando R$ 6,56 bilhões em valores captados. Segundo a assessoria do gabinete do senador Roberto Rocha, ele aguarda a formalização do novo Ministério da Cultura para retomar o debate sobre o Procultura. Uma reunião com as comissões de Constituição e Justiça e de Educação deverá ser agendada.
Mas há quem sustente que o projeto de lei será insuficiente. Henilton Menezes, autor do estudo sobre a Lei Rouanet, defende que é preciso ampliar a base de patrocinadores em potencial:
– Analisando o histórico de investidores dos últimos 10 anos, percebe-se que o número tem se mantido praticamente o mesmo, em torno de 3 mil empresas. Esse número não tem crescido porque as empresas que trabalham com lucro real e têm volume para investimento já estão no sistema.
Para Menezes, empresas tributadas pelo regime de lucro presumido (que contribuem com base em uma margem de lucro pré-fixada) também deveriam poder investir pela Lei Rouanet.
– Isso é praticável, é questão de força política (do MinC). O pleito não é aumentar o valor (total) de renúncia, é para abrir a base.
Outra preocupação é a competição da cultura com outros setores que também recebem incentivo fiscal. Segundo números da Receita Federal, a cultura deverá representar, em 2016, apenas 0,66% do total de gastos tributários do governo. Ana Carla afirma:
– Sendo ou não aprovado o Procultura, o importante é que o texto final não torne o incentivo à cultura menos atraente do que outros mecanismos de dedução fiscal, como os do esporte ou para crianças e adolescentes, que não passam por revisão.
Valiati, da UFRGS, acredita que o projeto é um "passo importante", mas é preciso ser "mais ousado como país" para repensar o sistema de subsídio:
– O grande problema da cultura brasileira é a insuficiência de público. Não temos mecanismos para incentivar o produtor cultural a ter demanda. Os projetos saem financiados independentemente do público que terão. Isso gerou um mercado com poucas iniciativas para adquirir plateias. Precisamos de uma mudança mais forte.
UMA DÉCADA DE POLÊMICAS
2006
O Cirque du Soleil
A companhia circense mais famosa e rica do mundo esteve no Brasil com um espetáculo caríssimo em 2006, e o que muita gente não se lembra é de que a turnê foi financiada com recursos da Rouanet. A etapa São Paulo teve aprovada a captação de R$ 9,4 milhões (de R$ 16,6 milhões pedidos). A repercussão levou ao cancelamento de qualquer benefício da lei para a passagem do Cirque pelo restante da turnê.
2010
Procultura I
O Ministério da Cultura envia para o Congresso o projeto criando uma nova alternativa de financiamento de políticas culturais, o Procultura. Uma das metas declaradas do novo projeto é "corrigir distorções" da Lei Rouanet, entre elas a concentração do dinheiro captado nos estados do Rio e São Paulo – que abocanham 79% das verbas.
2011
O blog poético de Bethânia
O projeto O Mundo Precisa de Poesia, um blog que publicaria diariamente um vídeo com a cantora Maria Bethânia lendo um poema (algo que é comum nos shows da intérprete), recebeu a autorização para captar até R$ 1,35 milhão pela Lei Rouanet. Devido às críticas ao orçamento tão grande para um projeto em princípio tão simples, a cantora desistiu de participar do projeto.
2013
A turnê de Claudia Leitte
A artista baiana recebeu autorização para captar R$ 5,8 milhões para fazer 12 shows nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. A ideia era pegar o dinheiro público para amortizar os gastos de levar o caro show completo de Claudia para lugares remotos do Brasil. A divulgação do projeto provocou uma chuva de críticas, e a turnê recebeu R$ 1,2 milhão dos R$ 6 milhões iniciais.
2013
Os desfiles em Paris
Nova polêmica explode em agosto com a divulgação de que a própria ministra da Cultura, Marta Suplicy, havia defendido a autorização concedida ao estilista Pedro Lourenço para captar R$ 2,8 milhões e realizar dois desfiles em Paris. Ronaldo Fraga e Alexandre Herchcovitch também foram contemplados. Os três primeiros projetos de moda financiados pela lei, portanto, foram para estilistas já consolidados no mercado.
2014
A turnê de Luan Santana
Um repeteco do caso Claudia Leitte. Uma turnê de Luan Santana foi autorizada a captar R$ 4, 1 milhões (de uma solicitação inicial de R$ 4,6 milhões). Apesar da justificativa de "difundir da música sertaneja", choveram críticas à escolha de pôr dinheiro público em um artista já amplamente conhecido.
2014
Procultura II
Após quatro anos de tramitação, o projeto do Procultura é aprovado pela Câmara e segue para tramitação no Senado. Está lá até hoje.
2016
Só para menores
O Tribunal de Contas da União aprovou uma determinação proibindo o incentivo a projetos com alto potencial lucrativo. A origem do parecer foi a análise da renúncia fiscal obtida pelo Rock in Rio de 2011, que tinha previsão de renda de R$ 34 milhões e obteve autorização para captar R$ 12,3 milhões – dos quais foram efetivamente patrocinados R$ 6,7 milhões.
2016
Claudia Leitte, de novo
Uma biografia autorizada da cantora poderia captar R$ 356 mil (de um pedido de R$ 540 mil). A obra seria distribuída gratuitamente, mas a repercussão do caso foi tão estrondosa que o então ministro da Cultura, Juca Ferreira, declarou que vetaria o projeto baseado na resolução publicada pelo TCU proibindo a utilização da lei por projetos com "forte potencial lucrativo". Claudia desistiu do projeto.
E o Chico?
Alvo frequente de críticos dos governos do PT por sua declarada simpatia ao partido, Chico Buarque, segundo seu assessor de imprensa, Mario Canivello, "jamais utilizou benefício fiscal para seus projetos". A Lei Rouanet foi utilizada, no entanto, para projetos de outros artistas a respeito de sua obra, como discos com regravações de suas canções e montagens de espetáculos de sua autoria.
*Colaborou Carlos André Moreira