Hey ho, let's go! O clássico grito de guerra do punk rock, cantado aos 22 segundos da primeira faixa do primeiro disco dos Ramones, foi também a mola propulsora que tirou milhares de jovens do tédio dos solos intermináveis e shows megalomaníacos que dominavam o universo do rock’n’roll na década de 1970. Lançado há 40 anos, em 23 de abril de 1976, o álbum Ramones não é só uma revolução musical, mas também o símbolo de uma série de mudanças culturais e comportamentais que mantiveram-se importantes e atuais.
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Com letras simples sobre amor, homenagens a filmes de terror ou relatos de um junkie porra-louca como Dee Dee Ramone, o disco conseguiu unir a revolta juvenil que parecia faltar à música com uma pegada pop que remetia ao rockabilly e, principalmente, aos Beatles – referência que vai desde o nome da banda (tirada do pseudônimo que Paul McCartney usava em hotéis, Paul Ramon) aos cortes de cabelo, passando por melodias vocais e técnicas de gravação. Talvez por isso tenha feito (e siga fazendo) a cabeça de tantos jovens:
– Foi a primeira vez que escutamos uma música e pensamos "caramba, a gente pode fazer o que a gente quiser". Ninguém precisava ser um baita músico para fazer música legal – lembra Duda Calvin, vocalista da Tequila Baby e fã apaixonado de Ramones.
Formada por instrumentistas toscos e com pouco ou nenhum estudo, a banda se explica pela personalidade de seus membros, expostos da maneira mais crua possível na histórica capa do disco: o vocalista Joey (1951 – 2001) era romântico e antissocial, o guitarrista Johnny (1948 – 2004), um controlador genioso, o baixista Dee Dee (1951 – 2002), um dos maiores consumidores de heroína de Nova York, e o baterista Tommy (1949 – 2014), o mentor do grupo.
Nascido na Hungria, Tommy tinha a ideia de ser apenas empresário do então trio, mas assumiu as baquetas quando os outros candidatos fracassaram em manter o ritmo frenético das batidas. Acabou se tornando também a cabeça que transformava as ideias em ação: os sobrenomes iguais, como uma gangue, as jaquetas pretas de couro, as performances explosivas, as referências a New York Dolls, Velvet Underground e T-Rex. Tudo era galvanizado na mente de Tommy, de.
O disco pode não ter sido um sucesso comercial – apenas 6 mil cópias foram vendidas à época –, mas a repercussão que teve em quem o ouviu é incalculável. Duda Calvin conta que a Tequila Baby foi criada como uma banda cover dos nova-iorquinos. Não que isso seja privilégio do grupo gaúcho. O lendário produtor Craig Leon, responsável por Ramones, lembra que era quase ato contínuo: quem conseguia pôr as mãos em uma das poucas cópias do disco acabava, quase automaticamente, formando uma banda própria
Não é à toa: se a primeira faixa, Blitzkrieg Bop, é a pedra fundamental do punk rock, as outras 13 não são menos empolgantes. Há violência em Loudmouth, romance pueril em I Wanna Be Your Boyfriend, ironia moleque em Judy Is a Punk ("segundo verso, igual ao primeiro", canta Joey na música mais curta do disco), registros do submundo nova-iorquino em Now I Wanna Sniff Some Glue e 53rd & 3rd (as duas compostas pelo desajustado Dee Dee). Beat on the Brat é pop até o caroço, Chainsaw homenageia o filme O Massacre da Serra Elétrica, e Let’s Dance é cover de um twist da década anterior.
– O disco continua soando como uma patada no ouvido. Muito simples, direto, músicas curtas. Tu escutas a primeira vez e parece tudo igual. Depois, quem mergulha nas músicas percebe as nuances de cada uma. São músicas que só os Ramones poderiam tocar – diz Paulo Caramês, fã e pesquisador da história dos Ramones, obsessão que ele usa para alimentar o blog Sequela Coletiva.
A socióloga Donna Gaines escreveu, na edição de 2001 do disco, que, com aquelas músicas, “uma nação alienígena de desajustados havia encontrado um lar”. Mas talvez a importância dos Ramones tenha sido resumida por eles mesmos em Pinhead, faixa do disco Leave Home (1977) inspirada no filme Freaks (1932): "Gabba, gabba, we accept you, one of us", ou "gabba, gabba, nós aceitamos você, um de nós".
Entrevista com Marky Ramone, baterista
da banda de 1978 a 1983 e de 1987 a 1996
Como era sua relação com os Ramones antes de entrar na banda?
Eles sempre foram muito divertidos, e era isso que importava para mim. Cantavam sobre coisas legais e tiravam toda a gordura das músicas, sem solos, sem demora. Era ótimo saber que existia alguém fazendo aquilo.
O que fez dos Ramones uma banda especial?
Acho que o conteúdo musical e das letras. E a energia, que nos mantinha ativos. Analisando agora, a banda tem um apelo jovem muito forte.
Qual é o legado dos Ramones?
A mensagem sempre foi: divirta-se, faça o que tem vontade. Não éramos uma banda politizada, mas queríamos que as pessoas se esquecessem das coisas ruins que aconteciam no mundo e tivessem uma hora e 16 minutos para curtir, simplesmente isso.