O húngaro Béla Tarr tem 60 anos e é considerado um dos grandes nomes do cinema contemporâneo, mesmo que seus filmes, como Sátántangó (1994) e A Harmonia Werckmeister (2000), sejam pouco acessíveis. É raro o privilégio concedido aos cinéfilos gaúchos, que podem conferir, no circuito comercial, aquele que ele anunciou ser o seu último longa, O Cavalo de Turim (2011). Mas é preciso se programar: há apenas uma sessão diária, às 21h, no Espaço Itaú 3 – e nada garante que o filme fique mais de uma semana em cartaz.
Vencedor do prêmio especial do júri e do troféu da crítica no Festival de Berlim, O Cavalo de Turim começa contando o célebre episódio em que o filósofo Friedrich Nietzsche (1844 – 1900) interveio para impedir os maus tratos a um cavalo que se recusava a obedecer um carroceiro – e entrou em surto a partir de então, permanecendo assim até morrer, 10 anos depois. Uma voz grave narra o ocorrido enquanto a tela está escura. A imersão do espectador já se completa no longo plano seguinte, que acompanha um camponês conduzindo sua carroça em meio a muito vento, num ambiente cuja hostilidade é ressaltada pela magnífica fotografia em preto e branco de Fred Kelemen e pela música solene e propositalmente repetitiva de Mihály Vig.
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Será ele o homem envolvido na tragédia de Nietzsche? Tarr, que aqui trabalha com a codireção de sua mulher, a montadora Ágnes Hranitzky, não diz literalmente que sim, mas a associação que ele leva o público a fazer indica que apresentará, nas duas horas e meia seguintes, o que sucedeu com o cavalo e seu dono após o fato narrado no prólogo. Na verdade, O Cavalo de Turim é um filme-homenagem a todo o universo do autor de Ecce Homo naquilo que ele reflete sobre a angústia da existência.
É o que explica as opções por planos intermináveis que mostram uma rotina marcada pelo cansaço dos atos reiterativos – acordar, vestir-se, sair de carroça, buscar água no poço, voltar, cozinhar e comer batatas, deitar-se e esperar a noite terminar. E a noite não termina, embora a ventania, a certa altura, arrefeça – indicando a promessa de dias melhores? Melhor ver e tirar suas próprias conclusões.
Há uma pequena janela na cabana onde vivem o carroceiro (János Derzsi) e sua filha (Erika Bók), pela qual ambos observam a vida – igualmente tediosa – lá fora. É interessante prestar atenção nessa relação dos dois com o mundo externo – e com o cavalo, que, assim como no prólogo, lá pelas tantas se nega a andar e também a comer. Entender a natureza – e a própria existência, a rigor – não é fácil para aqueles camponeses. E isso cobra um preço, cujo pagamento se dá na forma de solidão, tristeza e, em casos extremos, loucura.
Com suas idiossincrasias (ritmo lento, pouca ação), Béla Tarr fez um poderoso ensaio sobre esse inescapável estado do homem, para usar termos familiares à filosofia nietzschiana, que se debate entre o espírito cativo e o sonho da liberdade.
O CAVALO DE TURIM
De Béla Tarr
Drama, Hungria/França/Alemanha, 2011, 146min.
Em cartaz na sessão das 21h do Espaço Itaú 3, em Porto Alegre.
Cotação: ótimo.