Com uma ode ao empoderamento da mulher negra, Beyoncé surpreendeu ao lançar, no último sábado, Lemonade, seu novo álbum-visual-conceitual. Desta vez, não é a forma que impressiona – a própria cantora já havia produzido outros dois trabalhos aliando música e imagens. Agora, a temática é a responsável por uma verdadeira virada na carreira deste ícone da cultura pop atual.
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Cantando sobre amor e infidelidade, Beyoncé avança para falar sobre condição feminina, negritude e violência. Lemonade é um disco político, colorido por sons que ultrapassam o tradicional R&B e passeiam por rock, reggae e country.
– É um álbum bem situado, com uma clara ideia de consciência política de uma artista que não tinha, até então, esse discurso. A dor privada dela (a suposta traição do marido, Jay-Z) e a opressão dentro do casamento são usadas também para pensar questões de gênero e de raça – explica Thiago Soares, professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) com trabalhos sobre cultura pop e entretenimento.
Para o pesquisador, Beyoncé, que sempre baseou seu trabalho em uma figura contraditória – falando sobre emancipação feminina ao mesmo tempo em que evocava valores tradicionais, como casamento e família –, agora dá uma nova direção ao seu discurso e à sua carreira.
– Em Lemonade, a artista aborda novas questões. Mesmo na cultura americana, a negritude sempre foi vendida de forma domesticada. Agora, ela canta sobre a condição da mulher negra, assumindo essa posição – analisa Soares.
O posicionamento de Beyoncé ao assumir sua negritude e falar disso sinaliza não só uma inovação pessoal, mas a transgressão de um padrão: o de "embranquecimento das cantoras pop".
– Quando uma artista que atinge milhões de pessoas como Beyoncé fala sobre a questão da mulher negra e traz referências históricas como Malcolm X, é muito importante pois coloca em evidência o debate sobre as questões raciais. É claro que sabemos que está inserida em uma lógica capitalista, mas isso não invalida seu discurso. Por muito tempo, a mídia e os fãs a trataram como se ela não fosse negra. Essa afirmação dela como negra e o enfoque no tema fazem com que as pessoas reflitam – afirma Djamila Ribeiro, feminista e mestre em Filosofia Política.
Já no nome do álbum Beyoncé deixa clara essa marca. Lemonade é uma referência a um hábito dos escravos americanos, que bebiam limonada acreditando que embranqueceria a pele.
Para além da temática, a cantora ainda protagoniza uma nova lógica no consumo da música pop. Depois de surpreender com Beyoncé, álbum lançado de surpresa em 2013, Lemonade agora é o grande artefato do Tidal, plataforma criada por Jay-Z, na disputa pelo mercado de streaming. Desta vez, o disco, com as 12 faixas escritas e coproduzidas por ela, teve um agenciamento, com a estreia sendo atrelada ao especial de mesmo nome exibido pela HBO. Por ser um álbum-visual, não basta apenas ouvi-lo; é necessário assisti-lo para entender o seu propósito. E o Tidal, onde foi disponibilizado com exclusividade nas primeiras 48 horas, é um dos poucos serviços que também suportam vídeos.
SERVIÇO
Lemonade
De Beyoncé
Lançamento, Pop, 12 faixas + Lemonade Film
Disponível na plataforma Tidal (assinatura mensal R$ 14,90) e no iTunes (US$ 17,99)