Estreia da semana nos cinemas, Meu Amigo Hindu é um filme nacional falado em inglês, dirigido pelo argentino naturalizado brasileiro Hector Babenco e estrelado pelo ator norte-americano Willem Dafoe. Aos 60 anos, o prolífico intérprete que já acumula quase cem longas-metragens na carreira passou por Rio e São Paulo para acompanhar as sessões de pré-estreia do novo longa. E conversou com ZH sobre a experiência de trabalhar com Bárbara Paz, Maria Fernanda Cândido e Selton Mello nesta história confessional sobre a proximidade da morte (inspirado em uma experiência pessoal de Babenco, Meu Amigo Hindu narra a luta de um homem contra o câncer). Confira abaixo.
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Meu Amigo Hindu é um projeto pessoal de Hector Babenco. Como você entrou nele e como foi protagonizar uma história tão confessional?
Foi ótimo. Conheci Babenco no Festival de Veneza de 1988 – onde eu estava por conta da exibição de A Última Tentação de Cristo, de Scorsese. Mantivemos contato desde então. Aprecio seu senso de humor selvagem, digamos assim. E vi todos os seus filmes, que a mim parecem muito fortes. Sempre falamos sobre trabalhar juntos.
Este é o segundo filme seu que, de alguma forma, fala de cinema – há pouco você fez Pasolini (2014), de Abel Ferrara. Esse tipo de projeto, cujo ponto de partida são histórias vividas por cineastas, representa um duplo prazer ou um duplo desafio?
Duplo prazer, é claro! Esses dois longas têm esse ponto de partida, sim, mas, mais do que sobre os cineastas, contam histórias pessoais de homens que acabaram por fazer filmes. No set, pensei menos na sua profissão e mais em seus conflitos íntimos. Agora, eu diria que atuar num filme é amá-lo como se ele fosse a própria vida. Ou seja, uma coisa está inevitavelmente ligada à outra.
Falando ainda de Pasolini, que tipo de preparação você fez para personificar esse grande artista?
Sou um grande admirador da obra de Pier Paolo Pasolini, conheço-a por inteiro. Ele foi um artista prolífico, mas teve uma vida bem documentada. Como o recorte a que nos propusemos – o último dia de sua vida – foi bem definido, pudemos fazer uma pesquisa completa que nos deu subsídios para mergulhar nas questões que o estavam afligindo no período. No fim das contas, foi um enorme prazer: tive a oportunidade de adentrar na intimidade de um pensador original, de um visionário em suas ideias sobre a sociedade.
Como foi a experiência de trabalhar no Brasil junto a atores que, em sua maioria, são amplamente conhecidos por sua atuação na TV?
Foi ótimo. Nunca fiz televisão e inclusive tenho algum preconceito com certos tipos de produção de TV que exigem pouco do ator, mas em Meu Amigo Hindu contracenei com vários intérpretes que têm larga experiência em teatro, que têm sua base de atuação no teatro. Eu já tinha feito contato antes com Bárbara (Paz), Selton (Mello) e outros. Tenho que agradecer a todos pela forma como me receberam – não é fácil mover-se quando você está em um território desconhecido.
Meu Amigo Hindu fala da morte, às vezes usando imagens irreais, que só existem na imaginação do protagonista, inclusive diálogos com a própria morte. Para o ator, faz alguma diferença o fato de encenar esse tipo de situação?
É interessante refletir sobre isso, mas a verdade é que, sejam imagens naturalistas, abstratas ou surrealistas, o ator precisa sempre encontrar a sua verdade a partir de algo palpável. Em outras palavras, precisa encontrá-la em algum aspecto da realidade. Você precisa receber a história e deixá-la tomar conta de seu corpo a partir de sinais objetivos, seja o que for, realidade ou imaginação. Atuar é sair da própria vida, das regras que ditam nossos atos, para adentrar em uma realidade paralela, que tem outras regras e outras condições.
Você já trabalhou com Lars von Trier (Anticristo), David Lynch (Coração Selvagem), David Cronenberg (eXistenZ), Alan Parker (Mississipi em Chamas), Paul Schraeder (A Ressurreição de Adam)... É daqueles que escolhem o projeto pelo diretor?
Sim, sem dúvida. Acredito nos chamados "filmes de diretor". Filmes não podem ser feitos por comitês, e sim por autores. Gosto de ser alguém recrutado por um artista para, junto com outros técnicos, embarcar em uma jornada na qual este artista acredita pessoalmente. Se o diretor for só um resolvedor de problemas da indústria, o projeto perde a aventura, o mistério, o romance, a possibilidade de se tornar uma jornada transformadora. Penso no meu trabalho com essa ideia de que ele pode ser transformador. É o que me move, me dá energia, me dá vida.
Quais diretores – e projetos – te proporcionaram as experiências mais transformadoras?
Olha, não é fácil responder. Eu diria que as experiências difíceis em geral são as melhores. São aquelas com maior potencial transformador. Se você olhar para a minha filmografia, vai ver que há cineastas com os quais voltei a trabalhar, e voltei de novo, e de novo, o que significa que gostei da experiência. Com Abel (Ferrara), eu trabalhei cinco vezes. Com Paul (Schraeder) foram seis, contando (o inédito) Dog Eat Dog, que acabamos de rodar. Com Lars (Von Trier) e Wes (Anderson) foram três.
Com Lars von Trier o trabalho foi sempre tranquilo?
Gosto de trabalhar em ambientes à prova do que acontece do lado de fora do projeto. O mundo pode estar caindo, mas precisamos estar imunes a isso e permanecer concentrados em atuar. Com Lars foi sempre assim. E eu gosto de desafios. Sinto-me motivado com eles. O que é realmente difícil em um filme é você conseguir fazer um bom trabalho quando é influenciado por questões externas. O ator não pode depender de questões fora do set.
Por que você nunca dirigiu? Pensa sobre isso?
Já pensei. Mas acho que não é do meu feitio. Gosto de fazer, e não de olhar. Gosto da irresponsabilidade do ator. O diretor é o responsável por ter uma visão global sobre o projeto, precisa manter tudo sob controle. O ator pode ficar totalmente alheio a isso. Sinto-me muito mais confortável ajudando um diretor a resolver o quebra-cabeças, dando uma ou outra peça a ele, do que olhando todo o quebra-cabeças e precisando coletar peças com todos os técnicos, atores e produtores.
Por favor, fale um pouco sobre a diferença de trabalhar em blockbusters, como a série Homem-Aranha, e em projetos de orçamentos menores, caso da maioria dos outros filmes nos quais você atuou. É muito distinto para você? Ou uma coisa completa a outra?
São coisas realmente bem distintas. O orçamento e a própria natureza de quem propõe um filme são absolutamente determinantes para o seu resultado estético. Quanto maior o projeto, em geral, maior é o cuidado dos investidores em proteger o seu investimento e, portanto, obter retorno financeiro com ele. Longas-metragens menores costumam ter enormes problemas para fechar as contas, não ultrapassar o orçamento etc., mas costumam, em compensação, ter no comando os próprios diretores e também, por que não, atores – e não os executivos da indústria. A liberdade para criar é algo de que não consigo abrir mão em grande parte dos projetos nos quais me envolvo.
MEU AMIGO HINDU
De Hector Babenco.
Com Willem Dafoe, Maria Fernanda Cândido, Reynaldo Gianecchini, Bárbara Paz, Selton Mello, Guilherme Weber e Rio Adlakha.
Drama, Brasil, 2015, 124min, 16 anos.
Em cartaz nos cinemas.