Foi-se o tempo das mocinhas unidimensionais das histórias em quadrinhos. Hoje os quadrinhos das duas grandes editoras norte-americanas – principalmente a Marvel Comics – são marcados pelo protagonismo de personagens femininas fortes.
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A mudança editorial não vem por acaso. Apesar de não haver dados oficiais por parte da editora, um estudo realizado pelo site especializado em pesquisas de mercado para o ramo Graphic Policy, realizada no dia 1º de março de 2016, apontou que 43,6% do público norte-americano que demonstra interesse por quadrinhos nas redes sociais é constituído por mulheres.
De olho nesse mercado, a editora agora investe pesado em super-heroínas que vão além das mocinhas inofensivas dos anos 60 ou das personagens hiper-sexualizadas dos anos 90.
Assim, novas super-heroínas foram criadas, e antigas repaginadas. Personagens dos X-Men que já eram símbolo de protagonismo feminino como Tempestade e Kitty Pride ganharam seus próprios títulos. Viúva-Negra e Mulher-Aranha - até então eternas coadjuvantes - ganharam papeis-chave entre os Vingadores – principal grupo de super-heróis da editora - e também revistas próprias.
Depois de uma experiência semelhante que se mostrou bem sucedida com a Capitã Marvel, em 2015, em uma iniciativa ousada, a Marvel passou o manto de um de seus principais personagens, o deus nórdico Thor, para uma mulher. A revolta de fãs da velha-guarda foi ofuscada pelos resultados: em março de 2015, a versão feminina de Thor representou um aumento de 36,5% nas vendas em relação a anterior.
O episódio de Thor incentivou a editora a repaginar outro dos personagens mais populares da Marvel. Wolverine teve o manto assumido por Laura Kinney, uma clone de Logan que assumia o codinome X-23.
O investimento em protagonismo feminino não trouxe apenas resultados numéricos à Marvel, a editora também ganhou prestígio entre críticos. Lançada em novembro de 2013 como a nova identidade secreta da personagem Ms. Marvel, Kamala Khan foi primeira super-heroína muçulmana a ter um título próprio nos EUA.
A história em quadrinhos sobre uma jovem super-heroína de origem árabe conquistou a mídia especializada. Veículos, como a IGN, consideram a personagem "um novo Homem-Aranha". A Ms. Marvel ganhou em 2015 e 2016 o Dwayne McDuffie Awards por Diversidade nos Quadrinhos.
Adriana Amaral, doutora em comunicação social que coordena o CULTPOP - grupo de pesquisa em cultura pop, comunicação e tecnologias da Unisinos - , vê o empoderamento feminino nos quadrinhos como reflexo de um conjunto de mudanças na sociedade que vêm diversificando o público.
– As mudanças [nos quadrinhos] acompanham as mudanças da sociedade. Quem produz quadrinhos hoje é parte de uma geração bem diferente [da dos anos anteriores]. Hoje as mulheres estão inseridas no mercado, assim como gays e negros. Isso reflete nos quadrinhos, no cinema, nos seriados – explica.
– O enfoque agora deve ser na produção. Criar formas de profissionalização para que mais mulheres produzam quadrinhos, video games, séries. Assim temos representatividade no consumo e na produção – afirma.
Mobilização tem vários focos
Dentro da Marvel, o posicionamento em prol do protagonismo feminino é parte de uma série de iniciativas inclusivas em relação aos seus personagens.
Hoje o manto de Capitão-América é ocupado por um personagem negro, Sam Wilson (o antigo Falcão, presente nos últimos filmes do Universo Cinemático Marvel).
Outros personagens de origem africana que ficaram anos em desuso hoje ganham espaço, como Luke Cage, que apareceu na série Jessica Jones, e Pantera Negra, que estará em Capitão América: Guerra Civil.
A editora investe também em personagens homossexuais, revelando que o membro original dos X-Men Homem de Gelo era gay e promovendo uma edição especial na qual o personagem Estrela Polar casava-se com seu parceiro.
A iniciativa é consonante com as tendências liberais ou moderadas do consumidor de quadrinhos. Também é explicado pelo público cada vez mais etnicamente diverso que consome cultura pop. Em suma, o que a Marvel aprendeu é que representatividade e diversidade vendem.
