O editorial da primeira edição do jornal alternativo Pato Macho, em 14 de abril de 1971, já avisava que seus integrantes não pretendiam "criar do nada": "Só Deus criou do nada, e deu no que deu". Para não serem tachados de imitadores baratos do Pasquim, a primeira providência foi cobrar o mesmo preço que as edições do conhecido periódico carioca. "Imitação, por certo. Mas cara!", brincavam os jornalistas gaúchos.
Durante um curtíssimo período, de abril a julho de 1971, as 15 edições semanais do Pato Macho sacudiram o provincianismo do Rio Grande do Sul, chocaram a tradicional família gaúcha e marcaram a história da imprensa local. Afinal, onde mais se poderia ler, em plena ditadura militar, uma reportagem sobre um famoso lupanar da Capital?
Não havia exatamente uma redação. As reuniões de planejamento eram itinerantes e ocorriam em lugares como a boate Encouraçado Butikin, que era aberta à tarde especialmente para isso, ou nas casas de Luis Fernando Verissimo e de Moacyr Scliar. Em sua gloriosa existência, o Pato Macho reuniu, em diversas fases, nomes como Tatata Pimentel, Ruy Carlos Ostermann, José Antonio Pinheiro Machado (mais conhecido hoje como Anonymus Gourmet), Marcos Faermann, Cláudio Levitan, Luiz Carlos Felizardo e Assis Hoffmann.
O núcleo de criação era composto por Verissimo, Coi Lopes de Almeida e Claudio Ferlauto, autor de um novo livro que resgata a história do periódico. Pato Macho #16 – Quinze Semanas que Abalaram a Província (Cachorro Louco/Rosari) tem lançamento em Porto Alegre marcado para o dia 14 de abril, às 19h, no Bar do Gomes (Fernando Gomes, 58). No dia 19 de maio, haverá uma mesa-redonda na Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da UFRGS.
Designer gráfico e professor universitário radicado em São Paulo logo após o fim do jornal, Ferlauto lembra que, nos anos 1970, Porto Alegre vivia uma eferverscência cultural que floresceu mesmo em um período duro da repressão, poucos anos depois do Ato Institucional nº 5:
– A esquerda achava o pessoal do Pato Macho festivo demais, e a direita nos achava esquerdistas demais. Não tínhamos um posicionamento político-ideológico único na redação. Éramos independentes e atirávamos para tudo que é lado. Tinha um lado mais anarquista, no sentido de provocação.
Ferlauto lembra que os jornais tinham, na época, um papel semelhante ao dos blogs hoje, reunindo um grupo de interesse em torno de determinado assunto:
– Todo mundo tinha jornal. Tinha do Grêmio, do Inter, jornal de bairro. Tinham altas tiragens e viviam de anunciantes. Tudo isso apesar dos custos, do tempo e do trabalho pesado para se produzir.
Um jornal que não aceitava imposições
O Pato Macho tinha reportagens, entrevistas, colunas, charges e histórias em quadrinhos. A seção Simandol publicava notas – algumas delas inventadas – sobre personalidades gaúchas da história e do (então) presente que haviam deixado o pago, como Anita Garibaldi e Elis Regina. A colunista Odette de Crécy (pseudônimo que Tatata Pimentel buscou na obra de Proust) oferecia conselhos amorosos irreverentes e sem papas na língua. Tudo sempre com muito deboche. O editorial da segunda edição avisava: "Planejamos publicar, nos próximos números, a verdadeira história das maiores fortunas do Estado, mas quem se sentir ameaçado pelas nossas revelações é só procurar nosso diretor comercial, que, com um pouco de persuasão, concordaremos em calar. Mas não aceitamos imposições! Dinheiro, cheques, promissórias, títulos ao portador, sim. Imposições, nunca!".
O jornal entrou no radar da censura quando Coi Lopes de Almeida citou, em sua coluna, o nome de Aline Faraco, mulher de Eduardo Faraco, então reitor da UFRGS e cardiologista de ninguém menos do que Médici. Mas os relatos dos remanescentes a respeito do impacto da repressão sobre o periódico não são convergentes. Para Ferlauto, a pressão era, em certa medida, branda:
– Os censores eram cordiais, eram obrigados a fazer aquilo. Não chegou a acontecer, como em outros jornais, de ter que colocar uma receita no lugar de algum conteúdo.
Pinheiro Machado, que editou os últimos números, acredita que a censura ajudou a precipitar o fim do projeto:
– Acho que nos últimos três ou quatro números já tinha censura prévia, como em praticamente todos os jornais alternativos. Tinha que levar o conteúdo à Polícia Federal, era uma verdadeira batalha. Certa vez, implicaram com um desenho a bico de pena de uma estátua grega com os seios de fora.
Nenhum dos integrantes esperava viver da renda obtida com o jornal, que era mais um grito de liberdade do que um modelo de negócio. A experiência, abreviada pelo crescente desinteresse dos anunciantes, teve o destino da maioria dos jornais da imprensa alternativa, como observa Aline Strelow, professora de comunicação da UFRGS que defendeu dissertação de mestrado sobre o Pato Macho em 2004:
– Não tinham uma organização administrativa sólida. Era o jornal que gostariam de fazer. Por isso, teve vida efêmera, como grande parte dos jornais alternativos da época, não apenas no Estado. A publicidade não era a preocupação principal.
Aline avalia que a influência do jornal foi maior do que seus ex-integrantes costumam admitir:
– Eles são modestos em relação a isso, mas o Pato Macho influenciou diversos jornais que vieram depois, como o Risco, editado pela L&PM, e o próprio Coorjornal, embora este não fosse humorístico. No início da redemocratização, existiu o Pasquim Sul, uma sucursal do Pasquim de que se fala muito pouco. Era editado pelo Coi e contou com reproduções de vários textos do Pato Macho.
A última edição do periódico saiu em 21 de julho de 1971, trazendo na capa o fenômeno Teixeirinha. Pinheiro Machado conclui:
– O mais interessante do Pato era o aspecto heterogêneo. Não era de nenhuma turma, partido ou tendência. Tinha as pessoas e os pensamentos mais variados. O que as unia era a ideia de fazer um jornal alegre, divertido e, ao mesmo tempo, informativo.
PATO MACHO #16 – QUINZE SEMANAS QUE ABALARAM A PROVÍNCIA
Claudio Ferlauto
Cachorro Louco/Rosari, 124 páginas, R$ 40.
Pré-venda pelos e-mails claudio@qu4tro.com.br e saue.ferlauto@gmail.com.