Outro dia ouvi e vi Tasso Bangel com a Orquestra de Câmara Theatro São Pedro e fiquei pensando no privilégio que é ouvir Tasso Bangel tocar e falar, com sua bagagem de 85 anos de idade e mais de 60 de música. É como ouvir lições vindas da boca do próprio mestre, como diriam os ingleses. Pensei logo nas valsas vienenses. Ora, tantas vezes nos empurram as valsas vienenses como se fossem música nossa, como se devêssemos amar as valsas só porque são cantadas, dançadas e amadas lá do outro lado do Atlântico.
Mas há músicas que não viajam bem, que enjoam facilmente ao sair do porto e que enjoam muito mais ao chegar ao destino das terras distantes. Não temos nada a ver com valsas vienenses e nem teríamos por que ter. Por isso o encanto se perdeu na viagem, sumiu o sentido visceral que aquele UM-dois-três UM-dois-três UM-dois-três deve ter na sua origem. Mesmo assim, por aqui é mais comum esbarrar numa valsa vienense num programa de concerto do que esbarrar em Tasso Bangel. A valsa nos diz pouco, mas – ah – o tanto que Tasso Bangel tem a dizer...
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Por isso o privilégio, por isso a discreta indignação de ver que às vezes cavouca-se o repertório mais distante de nós, o que está muito bem, esquecendo de fazer mineração naquilo que nos fala bem de perto – o que já não está tão bem. Por isso o encanto de ouvir Tasso Bangel e seu acordeom. De repente me vi na infância, sentado à beira da eletrola (que era como se chamava, à época, o toca-discos), ouvindo os vinis do Conjunto Farroupilha. Se a memória não me trai, devo ter ouvido vezes sem conta o temas gaúchos. Acho que ouvi também o Gaúchos em Hi-Fi, pois a capa que vi agora no Google despertou um fiapo de memória.
E por aí vamos. Quando se abre a porta da remembrança, nem sabemos mais o que é verdade ou o que fabricamos à conveniência de nossos afetos. Mas é fato que calhou de ouvir Tasso Bangel num concerto da Orquestra de Câmara do Theatro São Pedro. É um mestre, não há dúvida. Mestre do acordeom, das histórias, das décadas de construção da música nossa. Mestre até para desatar as memórias, que é também para isso que serve a música.