Dentro do recorte limitado da produção cinematográfica notoriamente americana que o Oscar oferece todos os anos, há sempre espaço para novidades, injustiças, surpresas e, em especial, obviedades. Se entre os oito filmes indicados à principal estatueta não havia nenhum efetivamente arrebatador, também não se pode apontar nenhum título constrangedor: esquecimentos à parte - como o do impactante longa Beasts of No Nation, por exemplo -, os finalistas são todos bons representantes do melhor cinema de qualidade produzido em Hollywood.
Com uma das seleções mais homogêneas das últimas edições, era natural que a premiação do Oscar também refletisse esse equilíbrio, sem destacar algum favorito evidente. Apesar disso, a repartição dos prêmios em 2016 permite interpretações a respeito de algumas tendências sobre a recente safra fílmica hollywoodiana. Uma delas é consagração a um produto de entretenimento com qualidades artísticas e pretensões acima do comum no gênero "filme pipoca": Mad Max: Estrada da Fúria foi o grande vencedor da noite em número de troféus, ganhando seis categorias. Ainda que todas as premiações ao filme tenham contemplado apenas aspectos técnicos, é inegável que a retomada da saga pós-apocalíptica criada pelo diretor australiano George Miller na virada dos anos 1970 para os 1980 impressionou a Academia. Mad Max encabeçou ainda as listas de melhores do ano de diversas associações internacionais de críticos, inclusive no Brasil.
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Já o sucesso de O Regresso coroa de maneira excepcional a qualidade da contribuição dos estrangeiros ao cinema americano em geral e dos mexicanos em particular - confrontando o sentimento xenófobo representado nos EUA pela candidatura de Donald Trump a presidente. Pela segunda vez consecutiva premiado com o Oscar de diretor, Alejandro González Iñárritu, que no ano passado levou a estatueta por Birdman, representou a terceira vitória seguida do México na categoria - em 2014, quem ganhou no páreo foi o conterrâneo Alfonso Cuarón, por Gravidade. Esse bis de Iñárritu só foi alcançado anteriormente por John Ford e Joseph L. Mankiewicz. Os mexicanos ainda bateram outro recorde: graças à excepcional fotografia de O Regresso, Emmanuel Lubezki foi o primeiro diretor de fotografia a vencer em três anos seguidos - ele também foi contemplado por Birdman e Gravidade.
Ainda que não seja a melhor interpretação da carreira de Leonardo DiCaprio, sua caracterização como um explorador que na década de 1820 praticamente volta da morte para perpetrar uma vingança em O Regresso representou um tour de force para o ator - cujo esforço foi enfim reconhecido com o Oscar, depois de cinco indicações. Interessante ensaio sobre a luta inevitável e a harmonia possível entre civilização e natureza, O Regresso propõe uma pertinente reflexão sobre questões ambientais, relativismo cultural e tolerância racial - questões levantadas por DiCaprio e Iñárritu em seus discursos de agradecimento.
Por fim, a vitória quase surpreendente de Spotlight - Segredos Revelados como melhor filme - o drama inspirado na investigação jornalística real, que revelou centenas de casos de pedofilia no seio da Igreja Católica em Boston, só levou mais o prêmio de roteiro original - consagrou a boa e velha narrativa cinematográfica convencional. A Academia preferiu reconhecer a força da história contada com segurança pelo diretor e roteirista Tom McCarthy e interpretada com brilho pelo ótimo elenco a premiar produções menos convencionais como A Grande Aposta, que apela para inusitadas intervenções em paralelo à trama para explicar o cipoal do mercado financeiro, ou mesmo o maneirista O Regresso.
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