Por mais inusitada que seja a mistura do universo pastoral e romântico consagrado na literatura por Jane Austen com o horror apocalíptico popularizado no cinema por George A. Romero, o espírito de galhofa proposto por Orgulho e Preconceito e Zumbis funciona no filme em cartaz nos cinemas. Bem melhor, ao menos, do que no livro de Seth Grahame-Smith adaptado pelo diretor Burr Steers.
Os fãs do clássico livro lançado por Jane Austen em 1813 que condenaram ao fogo a brincadeira de Grahame-Smith - autor de outra mistureba conceitual, Abraham Lincoln: Caçador de Vampiros, que também virou um longa, em 2012 - verão em Orgulho e Preconceito e Zumbis um empenho para preservar cenários, personagens centrais e a estrutura narrativa do romance.
Leia mais
Livro "Orgulho e Preconceito e Zumbis" é humor para quem ri de qualquer coisa
Estreia "O Abraço da Serpente", representante da Colômbia no Oscar
Dois filmes mineiros recriam realidade da periferia de Belo Horizonte
A diferença é que um passeio pelo campo, um convescote em meio ao chá ou um pomposo baile que tanto anima rapazes e moças em uma região rural próxima de Londres podem, a qualquer instante, virar um banho de sangue e vísceras. Isso porque a ilha britânica está sucumbindo ao ataque de zumbis - a origem das criaturas é atribuída a uma peste desembarcada das colônias reais. Os mortos-vivos multiplicam-se aos minutos e, em pouco tempo, devem aniquilar os humanos.
O temor de ser devorado incorporou ao manual de etiqueta e elegância a prática de artes de defesa aprendidas no Oriente e a perícia com armas cortantes, perfurantes e de fogo. As cinco irmãs Bennet estão entre as mais habilidosas guerreiras do pedaço. Aniquilam zumbis com mais rapidez do que apertam seus espartilhos. São guerreiras mortais que sua mãe tem pressa em transformar em esposas de bons partidos, que se materializam nas figuras dos recém-chegados Bingley (Douglas Booth) e Darcy (Sam Riley). Enquanto Bingley logo se enrosca com Jane Bennet (Bella Heathcote), Darcy e Elizabeth "Lizzy" Bennet (Lily James), protagonistas do romance, ficam se bicando até se convencerem de que foram feitos um para o outro.
Conhecida por seu trabalho em produções de época - no seriado Downton Abbey e na recente versão de Cinderela -, Lily é destaque do elenco. Por vezes, sua Lizzy lembra a vivida por Keira Knightley na adaptação de Orgulho & Preconceito de 2005, filme que os admiradores de Jane Austen têm em alta conta. A atriz defende com a dignidade possível o papel da determinada heroína, que questiona, como um olhar crítico e ferino de Jane Austen, usos, costumes e convenções sociais de sua época, sobretudo o papel da mulher naquela arranjo patriarcal. Já o elenco masculino, com algun desconto para o registro sorumbático que Riley imprime em seu Darcy, beira à canastrice.
A competente cenografia e os elaborados figurinos reforçam a intenção de ressaltar o projeto como um romance de época. E as doses de humor amortecem qualquer traço de horror, que resulta literalmente risível nas aparições dos zumbis pustulentos, meros coajuvantes na ciranda amorosa que resiste ao fim do mundo.
Encerrada a brincadeira, Orgulho e Preconceito e Zumbis terá justificado sua existência se fizer com que seus espectadores leiam Jane Austen e assistam aos clássicos filmes de zumbi de George A. Romero, autores referenciais e soberanos em suas respectivas praias.