Bruna Paulin*
Em 1965, o jornalista e escritor Tom Wolfe já classificava os Beatles e os Rolling Stones como grupos de características muito diferentes, declarando que "Os Beatles querem segurar sua mão, mas os Stones querem botar fogo na sua cidade". Casamentos terminaram, irmãos polemizaram nas festas da família discutindo em frente ao toca-discos. E muitos já ouviram algum amigo dizendo que não estará no Beira-Rio no dia 2 de março porque é muito mais Beatles do que Stones.
As diferenças estão presentes desde que os dois grupos foram expostos ao público britânico no início dos anos 1960, apesar de nunca terem sido inimigos. Pelo contrário: o nível de camaradagem entre as bandas só aumentou desde o dia que Lennon e McCartney presentearam os iniciantes Stones com seu primeiro hit, I Wanna Be Your Man.
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A tal rivalidade entre os Beatles e os Stones tem nome e sobrenome: Andrew Loog Oldham. O empresário que transformou os Stones em inimigos número 1 da família britânica pode ser considerado o responsável a impulsionar e ressaltar as diferenças latentes entre as imagens comercializadas dos rapazes de Liverpool e dos garotos de Londres. Seu primeiro emprego foi como assessor de imprensa dos Beatles, trabalhando sob o comando de Brian Epstein. Com o empresário, ele aprendeu que era necessário destacar algumas características e esconder defeitos indesejáveis para controlar a imagem que seria veiculada de seus artistas.
Epstein conheceu os Beatles em Liverpool, recém-chegados de Hamburgo. Lá, tocavam na zona de meretrício da cidade. Sua formação como músicos e performers se deve a esse estágio inicial, quando tocavam em locais insalubres, movidos a anfetaminas e usando roupas de couro. Quando os assistiu pela primeira vez, Epstein gostou da mistura entre sexy e rude que exalavam. Mas não acreditava que, com a imagem que apresentavam, iriam muito longe. Foi preciso um banho de loja e diversas mudanças no comportamento dos Beatles para que chegassem à condição de ícone que reconhecemos até os dias de hoje.
O empresário desapareceu com fotos e negativos comprometedores, escondeu os relacionamentos dos músicos da imprensa o máximo que pode e chegou a obrigá-los a trocar a marca de cigarros que fumavam. Afinal, quem teria interesse em assistir a quatro jovens mal-encarados da classe trabalhadora do norte da Inglaterra há dias sem banho, que meses antes namoravam strippers alemãs?
Porém, os Beatles sempre tiveram o desejo de chegar ao topo: era uma vontade latente tornar-se e parecer bem-sucedidos, o oposto de suas realidades. Para Epstein, foi apenas um ajuste no que já era uma aspiração. Oldham entendeu que, para chamar atenção do público, teria que fazer algo diferente. "Ele sabia que os Stones não superariam os Beatles por imitação, então a estratégia era se opor. Assim, utilizou o desdém e o escândalo como recursos de marketing", afirmam os jornalistas Jim DeRogartis e Greg Kot, autores do livro The Beatles vs The Rolling Stones – A Grande Rivalidade do Rock’n’roll.
O jovem produtor percebeu que os cinco Stones deviam ser apresentados como os mais ousados e provocativos que pudessem. De maneira alguma salientar que Jagger era um exímio atleta e excelente aluno da London School of Economics ou que Brian Jones era um filho de família abastada. O desejo de parecer feio, sujo e malvado era o lema que Oldham carregou consigo até ser demitido pelo grupo, em 1967.
O ex-baixista dos Stones, Bill Wyman, afirma em seu livro, Rolling with the Stones, que a chegada do empresário era o ingrediente que faltava para o sucesso da banda, por ser jovem e ambicioso o suficiente para entender o que provocavam no público e saber utilizar esse impacto na divulgação: "Ele garantiu que a imprensa engolisse as mais ultrajantes histórias e as publicasse! Ele nos produziu e nos posicionou como o oposto dos adoráveis Beatles, e nós nos tornamos o primeiro grupo pop que as pessoas amaram odiar". Oldham fornecia as mais estapafúrdias notícias, que foram todas publicadas: enviava notas aos grandes jornais como The Times e The Guardian divulgando insanidades hilariantes, como "eles não tomam banho direito e não ligam muito para roupas. Não tocam música comportadinha, o som deles é cru e masculino".
Os Stones chegaram pela primeira vez aos EUA em julho de 1964, divulgados para a imprensa com o seguinte press release: "Os Rolling Stones, que estão há três dias sem tomar banho, chegaram na cidade. Americanos, preparem-se. Na trilha dos Beatles, uma segunda onda de britânicos com cara de cão pastor, de atos raivosos e tocando guitarras está a caminho. Eles se chamam Rolling Stones e chegam a Nova York na terça-feira. Um detrator dos Rolling Stones diz sobre eles: "são mais sujos e mais desarrumados que os Beatles – e em alguns lugares são mais populares que os Beatles".
Juntos, Oldham e Epstein transformaram as duas bandas no que são conhecidas e amadas até hoje. O que pode parecer banal como ter um agente, escolher figurinos, definir um comportamento específico para chamar atenção, tudo isso era novo ou inexistente antes deles. E ninguém pode negar seu talento e genialidade para, mais de 50 anos depois, ainda serem lembrados por trazerem ao grande público as duas maiores bandas da história da música popular do século 20.
* Jornalista e mestre em Comunicação pela PUCRS com a dissertação "A Construção das Imagens das bandas The Beatles e The Rolling Stones através dos jornais The Times e The Guardian". Ministra o curso De Elvis a Miley Cyrus.