As liberdades artísticas e de expressão costumam estar entre as primeiras vítimas da intolerância e do autoritarismo. Durante a escalada da Guerra Fria, o antagonismo com a União Soviética disseminou nos Estados Unidos uma paranoia anticomunista que repercutiu com particular virulência entrecertos artistas, intelectuais, jornalistas e professores cujas ideias e posições político-ideológicas passaram a ser vistas com suspeição. Hollywood foi um alvo dessa chamada caça às bruxas, que perseguiu atores, diretores, roteiristas e outros profissionais do cinema. Trumbo: Lista Negra (2015), que estreia nesta quinta-feira nos cinemas, conta a história do roteirista Dalton Trumbo (1905 - 1976), um dos mais célebres artistas acossados pelo Comitê de Atividades Antiamericanas durante mais de 10 anos.
Quem encarna o autor de filmes mais bem pago do mundo em sua época é Bryan Cranston, vencedor do Globo de Ouro melhor ator de série por Breaking Bad e que agora disputa o Oscar por esse longa.
Trumbo: Lista Negra é o primeiro drama dirigido por Jay Roach, responsável por franquias de sucesso como as comédias Austin Powers e Entrando numa Fria. O longa sobre o roteirista de dezenas de títulos memoráveis, como Trinta Segundos Sobre Tóquio (1944), A Princesa e o Plebeu (1953), Spartacus (1960) e Papillon (1973), é baseado no livro biográfico lançado originalmente em 1977 pelo escritor e jornalista americano Bruce Cook - que a editora Intrínseca acaba de editar no Brasil (Trumbo, tradução de Catharina Pinheiro, 368 páginas, R$ 39,90).
O filme começa em 1947, quando Dalton Trumbo estava no auge da carreira, gozando de alto prestígio no sistema de estúdios hollywoodiano e ganhando polpudos honorários por seus trabalhos. Comunista de carteirinha, o roteirista acaba convocado pelo famigerado comitê do Congresso americano criado para investigar atividades e pessoas que supostamente conspirariam contra o Estado e a favor de interesses da então URSS. Ao lado de colegas como o ator Edward G. Robinson (vivido por Michael Stuhlbarg, da série Boardwalk Empire e do filme Steve Jobs), Trumbo é convocado a depor - mas se nega a entregar qualquer informação ou delatar companheiros. Como represália, o escritor é incluído em um índex que viria a ser conhecido como "Dez de Hollywood", relacionando nomes que foram virtualmente banidos da indústria cinematográfica.
Além de perder o emprego, Trumbo acaba sendo preso por desacato em 1950. Ao sair da cadeia, arma um estratagema para sobreviver profissionalmente e garantir o sustento da família ao lado da mulher, Cleo (Diane Lane): escrever roteiros para pequenos produtores independentes, os quais assinava com pseudônimos. O esquema é estendido a amigos também banidos, como o roteirista Arlen Hird (interpretado pelo cáustico comediante Louis C. K.) - na verdade, um personagem fictício criado a partir das histórias de figurais reais. Apesar da perseguição canina aos liberais e socialistas capitaneada no meio cinematográfico por personalidades como a célebre colunista de fofocas Hedda Hopper (Helen Mirren, em mais uma atuação excelente) e o astro John Wayne (David James Elliott), Trumbo conseguiu burlar o patrulhamento e ganhar o Oscar com os roteiros de dois filmes que não levaram sua assinatura: A Princesa e o Plebeu e Arenas Sangrentas (1956).
Confira o trailer:
Dalton vai à guerra
O roteirista americano Dalton Trumbo aliava talento, técnica, rapidez e versatilidade na redação de seus scripts - uma conjunção de qualidades que lhe garantiu um lugar privilegiado no panteão de criadores da meca do cinema.
Seu primeiro roteiro foi o de Condenados ao Inferno (1936), drama dirigido por Louis King. Em 1940,recebeu sua primeira indicação ao Oscar,na categoria de melhor roteiro adaptado, por Kitty Foyle (1940), drama romântico assinado por Sam Wood - cineasta que posteriormente iria denunciar Trumbo no comitê anticomunista comandado pelo senador Joseph McCarthy.
Em 1939,escreveu o romance Johnny Vai à Guerra, clássico pacifista que recebeu o prêmio National Book Award. Inspirado em um artigo que Trumbo leu sobre um soldado desfigurado após lutar na I Guerra, o livro só ganhou as telas em 1971, em um antológico drama dirigido pelo autor - foi o único roteiro que Trumbo filmou. O boicote aos "Dez de Hollywood" caiu definitivamente depois que o astro Kirk Douglas convidou o roteirista para escrever Spartacus (1960), dirigido por Stanley Kubrick, e que o realizador Otto Preminger convocou-o para adaptar o romance Exodus (1960) - ambos creditando os respectivos roteiros a Trumbo.
TRUMBO: LISTA NEGRA
De Jay Roach
Drama, EUA, 2015, 124min.
Estreia nesta quinta-feira nos cinemas.