Nem tinha dado tempo para lidar com a morte de Gilberto Mendes, o decano dos compositores brasileiros de música de concerto, e veio a morte de Pierre Boulez, último representante da vanguarda musical dos 1950. O ano poderia ter começado melhor. Para quem leva música de concerto a sério, são dois desaparecimentos significativos - geracionais, inevitáveis e previsíveis, mas com a tristeza do divisor de águas, da perspectiva do não retorno.
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Boulez está longe de ter sido uma figura consensual. Como compositor, foi indiscutível. Há quem deteste o que ele criou, mas isso é uma questão de gosto ou desconhecimento, como diria Theodor Adorno a respeito de outro compositor pouco consensual, Arnold Schoenberg. A música de Boulez, mesmo no seu estado de mutação constante - as obras só se completavam depois de anos, às vezes décadas - encontrou um lugar difícil de ignorar na história das vanguardas do século passado.
Mas se Boulez foi compositor irrepreensível, incentivador de institutos de pesquisa e lugares de espetáculos, ele foi também o polemista, o agitador hostil àqueles que estivessem ideologicamente longe dele. O domínio que Boulez teve, em certa época, sobre a cena musical francesa criou inimizades e antipatias, por exemplo. Um pouco como Jean-Baptiste Lully, nas lonjuras dos 1600, com o seu monopólio da música em Paris. Por isso, nunca houve consenso possível nem em Lully, nem em Boulez.
O percurso de Gilberto Mendes foi muito mais pacífico, na abertura para o novo, na pessoa afável que incorporou músicas de diferentes meios na sua própria música. O incentivador de festivais de música nova, o professor, o escritor, esses são bem conhecidos. A música de Gilberto Mendes, no entanto, precisa ser mais conhecida do que é hoje. Há que tocar tanto o que ele produziu nos 1960 quanto nas renovações dos anos 2000. Há que estudar, há que escutar. Um ponto final se instala instantaneamente na obra de um compositor que desaparece. Se qualquer momento de Gilberto Mendes em vida teria sido apropriado para ouvir de perto as suas invenções, ainda mais agora, então, que a coisa se tornou urgente.