Encerrado o emocionante e irreparável espetáculo de David Gilmour na Arena do Grêmio, na noite desta quarta-feira, era perceptível no público o impacto deixado pelo repertório de clássicos do Pink Floyd e, sobretudo, pela vigorosa performance do guitarrista britânico de 69 anos empunhando o instrumento que vibra com ele em paixão e sintonia recíprocas.
Em Porto Alegre, Gilmour fez a última parada de sua primeira turnê pelo Brasil, após tocar em São Paulo e Curitiba. A voz continua potente e cristalina, impondo-se aos graves naturais da idade e à rouquidão calejada na estrada. E impressionam ainda mais ao vivo a versatilidade técnica e a econômica precisão que fez dele, virtuoso com a guitarra, o violão e a lap steel, um dos músicos mais reverenciados e influentes em diferentes gêneros musicais.
Veja e ouça as músicas tocadas por David Gilmour na turnê
Gilmour e Waters se alternam na celebração ao Pink Floyd
Para correr o mundo promovendo seu mais recente disco, Rattle that Lock, Gilmour pinçou do repertório do Pink Floyd canções nas quais tem participação efetiva como compositor e intérprete, incluindo as marcas que deixou em projetos com o DNA de Roger Waters, como The Wall (1979). Gilmour destacou no show faixas representativas de diferentes fases de sua ex-banda, do primeiro disco (The Piper at Gates of Dawn , 1967), quando nem estava no grupo, ao álbum The Division Bell, de 1994.
Na condição de grande artista que olha para a frente ao carregar o enorme peso do legado que representa, Gilmour não abre mão de valorizar sua exitosa carreira solo. No primeiro bloco do espetáculo, que começou com o apagar das luzes do estádio cinco minutos antes das 21h, ele mostrou cinco faixas do novo álbum, três delas emendadas na abertura: a instrumental 5 A.M., Rattle that Lock e Faces of Stone.
Na sequência, veio um dos momentos de catarse e coro coletivo da plateia que ocupou grande parte da Arena: Wish You Were Here, canção do disco homônimo do Pink Floyd de 1975. Gilmour ainda mostrou nesse segmento duas faixas do clássico The Dark Side of The Moon (1973), Money e Us and Them – em ambas, brilhou o jovem saxofonista curitibano João Mello, que solou com segurança de um músico tarimbado, como são seus companheiros de palco, entre eles o guitarrista Phil Manzanera, o baixista Guy Pratt, e o tecladista Jon Carin.
David Gilmour é um gigante que não vive só do passado
E para mostrar que o Pink Floyd sobreviveu com vitalidade à saída de Waters, Gilmour lembrou um grande hit do disco The Division Bell (1994), High Hopes, com seu grandioso refrão ecoando pela Arena. Se seu objetivo fosse lotar estádios mundo afora com um espetáculo meramente saudosista, Gilmour poderia incluir outros grandes momentos seus no Pink Floyd. Seria ótimo vê-lo tocar A Pillow of Winds e Fearless (ambas de Meddle, 1971), The Gold It's in the... e Wot's... Uh the Deal (duas de Obscured by Clouds, 1972), a transcendente Dogs (Animals, 1977) ou, do recomeço da banda sem a sombra de Waters, On the Turning Away (A Momentary Lapse of Reason, 1987), entre outras.
Mas com exceção de jazzística The Girl in the Yellow Dress, que pareceu um tanto deslocada no clima de celebração, o bom espaço que Gilmour dedica às suas faixas solo no set list é plenamente justificado pela qualidade delas – a nova In Any Tongue não ficaria deslocada em um disco do Pink Floyd sob sua gestão.
O grande impacto visual lançado pelo telão circular, chamado Mr. Screen, com suas imagens em alta definição, foi acentuado na abertura do segundo ato, com Astronomy Domine, canção do primeiro álbum do Pink Floyd, The Piper at the Gates of Dawn (1967), ainda sem a presença de Gilmour. Mr. Screen emulou os efeitos de um caleidoscópio psicodélico, como nas seminais performances com retroprojetor e tinta colorida dos primeiros shows da banda em Londres.
A Arena sacudiu novamente com Shine on You Crazy Diamond , contemplou a pastoral Fat Old Sun e explodiu em luz com Run Like Hell – o impressionante show de luzes nessa faixa de The Wall faz os músicos colocarem óculos escuros. Nesse segundo ato, Gilmour fez uma pequena alteração no repertório que tem sido recorrente na tour: em vez de On an Island, do seu disco solo homônimo, apresentou Coming Back to Life, gravada pelo Pink Floydem The Division Bell.
Gilmour é de poucas falas. Agradeceu com um "obrigado", apresentou sua ótima banda e acusou em sorrisos e algumas frases ter gostado da calorosa recepção em encontrou em Porto Alegre. Voltou para o bis com dois clássicos poderosos: Time (e seu trecho de Breathe) e Comfortably Numb, com Jon Carin fazendo a voz guiada por Waters na gravação original, e Gilmour arrebatando a noite memorável com um dos mais belos solos de guitarra da história do rock. O som perfeito, em volume e definição, colaborou para percepção coletiva de ter se vivenciado diante de Gilmour um momento para não nunca mais esquecer – como aquela saudosa roda de violão com os amigos (os ainda presentes e os já ausentes) em que se tentava arranhar Wish You Were Here.
Set list do show (faixas e discos)
Primeira parte
5 A.M. (Rattle that Lock)
Rattle that Lock (Rattle that Lock )
Faces of Stone ( Rattle that Lock )
Wish You Were Here (álbum homônimo do Pink Floyd)
A Boat Lies Waiting (Rattle that Lock )
The Blue (On an Island)
Money (The Dark Side of the Moon, do Pink Floyd)
Us and Them (The Dark Side of the Moon)
In Any Tongue (Rattle that Lock)
High Hopes (The Division Bell, do Pink Floyd)
Segunda parte
Astronomy Domine (The Piper at Gates of Dawn, do Pink Floyd)
Shine On You Crazy Diamond (Parts I-V) (Wish You Were Here)
Fat Old Sun (Atom Heart Mother, do Pink Floyd)
Coming Back to Life (The Division Bell, do Pink Floyd )
The Girl in the Yellow Dress (Rattle that Lock)
Today (Rattle that Lock)
Sorrow (A Momentary Lapse of Reason, do Pink Floyd)
Run Like Hell (The Wall, do Pink Floyd)
Bis
Time/Breathe (reprise) (The Dark Side of the Moon)
Comfortably Numb (The Wall)