Uma história que já contei várias vezes: concerto da Filarmônica de Nova York, Tristão e Isolda de Wagner, a música silenciosa lutando contra a plateia barulhenta, o maestro se irrita, interrompe tudo, pede silêncio para que se possa ouvir aquela música quase inaudível. Maestro Kurt Masur, um dos músicos que se foram nos últimos dias. Uns músicos se foram perto, outros se foram longe, e as músicas e as lembranças se prolongam.
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De Kurt Masur guardo essa memória e, mais ainda, algumas lições. Não que ele estivesse particularmente irritado com a plateia naquela noite. Afinal, anos antes ele tinha enfrentado plateia pior, a repressão da Alemanha Oriental. Em 1989, Masur era figura respeitada, maestro da orquestra de Leipzig, cidade no tumulto das manifestações pró-democracia.
O 9 de outubro daquele ano seria o enfrentamento definitivo entre uns e outros. Naquele dia, Kurt Masur largou a batuta de maestro e convidou repressores e reprimidos para um entendimento que evitasse conflitos, as violências de parte a parte.
Um documento de uma página só, assinado por todos, traz os pontos fundamentais ("Apelamos às forças de segurança: não reajam com violência a demonstrações pacíficas", coisa genérica que continua valendo) que evitaram os confrontos naquela noite. O resto da história virou história e, cumprida a tarefa política, Kurt Masur retomou a batuta. Depois cruzou o Atlântico e foi reger a Filarmônica de Nova York até ser despedido por causa do seu comportamento... autocrático.
Outra lição que me ficou de Kurt Masur foi de música mesmo. Naquele concerto do Tristão e Isolda que começou mal e terminou bem - com a plateia petrificada, é verdade, sob pena do barulhinho -, cheguei à conclusão de que aquele tipo de música deixou de fazer sentido para mim. Linda, é certo. Longa, não se discute. Mas, para esse ouvinte, se tornou longa demais, com lindezas em excesso. Masur se foi, e dele me ficaram essas histórias de ética e de música, a revelar coisas que eu não sabia. E assim, com lições e músicas quase inaudíveis, vai terminando o ano.
Coluna
Celso Loureiro Chaves: Masur
O colunista escreve quinzenalmente para o 2º Caderno
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