Ao serem perguntados como descreveriam Bio, os três atores que conversaram com ZH, em um dia de filmagens do longa-metragem, hesitaram ao responder. No entanto, após momentos de titubeio, Maria Fernanda Cândido, Rosanne Mulholland e Bruno Torres despejaram elogios ao novo filme do diretor gaúcho Carlos Gerbase, que começou as filmagens no último dia 10 e segue em produção até o final de janeiro.
Ficção realizada no formato de documentário, Bio tem uma estrutura narrativa peculiar: a história é contada, quase em sua totalidade, com depoimentos dos personagens sobre um protagonista que nunca é visto. A premissa é a seguinte: um sujeito que nasceu em 1959 e morreu em 2070 tem uma condição biológica que não o deixa mentir. Ele tem sua trajetória contada ("atribulada", nas palavras do diretor) por 39 pessoas que passaram por sua vida: mãe, pai, irmãos, esposa, colegas de trabalho, amante. Fruto de uma ânsia experimental de Gerbase, essa estrutura também tem motivações mais pragmáticas.
- A ideia é um pouco decorrente das dificuldades que temos de fazer cinema aqui, de se trabalhar com poucos recursos e bastante qualidade. O fato de a gente fracionar tanto o filme permite que sejam chamados muitos atores do centro do país, pois é só uma diária. O cara vem, filma, janta conosco e pode ir embora - explica o diretor.
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Com produção da Prana Filmes, Bio já captou R$ 600 mil do total de R$ 1,2 milhão aprovado pela Lei Rouanet. Gerbase espera apresentar o longa ao público entre o fim de 2016 e o início de 2017.
- O lançamento deve ser mais tradicional que o dos meus longas anteriores: primeiro, nos festivais; a seguir, nas salas de cinema; e, depois, nas demais plataformas. Também teremos algumas ações de transmídia, de forma a complementar a história em mídias digitais - afirma Gerbase, referindo-se aos lançamentos multiplataforma de Menos que Nada (2012) e 3 Efes (2007), apresentados simultaneamente nos cinemas, em DVD, nas TVs aberta e paga e em streaming.
Além de Maria Fernanda, Rosanne e Bruno, Bio apresenta no elenco nomes como Maitê Proença, Tainá Muller, Werner Schünemann, Marco Ricca, Sheron Menezes, Branca Messina, Roberto Oliveira, Júlio Conte e Deborah Finocchiaro. Para os atores, parece haver um senso de desafio no fato de atuarem, basicamente, sentados e conversando com o diretor.
- O Gerbase é um visionário, um diretor que pensa o nosso tempo e que pensa o cinema. Este filme tem uma estrutura diferente, e é algo positivo, porque te obriga a sair da comodidade - avalia Maria Fernanda, que interpreta uma exobióloga (estudiosa da possibilidade de vida extraterrestre) que trabalha com o protagonista.
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Bio não exige cenários nababescos, atuações extravagantes e efeitos especiais - o que se percebeu no set visitado pela reportagem de ZH. Tudo é gravado dentro de um estúdio em Porto Alegre, com pouquíssima interação entre os personagens. Detalhes como um sorriso durante um depoimento, o movimento das mãos e o tom de voz em determinada frase ganham muito mais importância e são discutidos a cada tomada.
- Você tem que parecer gente, não pode parecer um ator. E, ao mesmo tempo, é um personagem. E esse material humano que você tem que utilizar para parecer gente é muito interessante. A sua metodologia de trabalho fica em xeque - conta Bruno Torres, que vive um personagem nascido por volta de 2015.
Outra frase comum entre todos os entrevistados é: "Esse filme só existe claramente na cabeça do Gerbase". Fragmentado e quase sem cenas compartilhadas, Bio é um mistério para os atores. Para o diretor e roteirista, não. Ele garante que já tem tudo organizado na cabeça e que pouca coisa deve mudar. Ao público - e ao elenco -, resta esperar pelo lançamento para descobrir o que será Bio.
Cenário de reencontros
Bio é o sétimo longa-metragem de Carlos Gerbase. O diretor despontou na virada dos anos 1970 para os 80 junto com uma geração de realizadores que marcou o cinema gaúcho produzindo curtas em Super-8 sobre o cotidiano e os conflitos dos jovens que cresceram e chegavam à vida adulta no Brasil sob a ditadura militar.
Neste seu novo filme, Gerbase volta a trabalhar com atores e atrizes que fazem parte de sua trajetória profissional. Werner Schünemann, por exemplo, estrelou Inverno (1983), primeiro longa do diretor, ainda em Super-8, e depois Verdes Anos (1984), a estreia de Gerbase em 35mm - ao lado de Giba Assis Brasil. Maitê Proença foi protagonista em Tolerância (2000), assim como Maria Fernando Cândido em Sal de Prata (2005). De 3 Efes (2007), voltam ao set com Gerbase nomes como Carla Cassapo, presente também no seu longa anterior, Menos que Nada (2012), no qual se destacaram Rosanne Mulholland e Branca Messina.