Todos os ingredientes da fórmula que fez dos filmes do agente secreto britânico James Bond a mais longeva franquia do cinema desde a primeira aventura, em 1962, estão presentes em 007 Contra Spectre. Mas, assim como a vodca martini de Bond tem seu modo de preparo especial, a dosagem desses elementos exige boa mão tanto do diretor quanto dos roteiristas. E esse time não parece muito inspirado no 24º título da cinessérie oficial protagonizada pelo personagem de Ian Fleming, que chega nesta quinta-feira aos cinemas.
A turbulenta produção de 007 Contra Spectre talvez explique os problemas que se observam nas exageradas quase duas horas e meia de projeção. Alguns desses problemas podem decorrer das mudanças de rumo necessárias - ou impostas - após o vazamento por hackers de informações confidenciais da Sony Pictures, em dezembro de 2014. Entre os documentos que se tornaram públicos, estavam uma versão do roteiro do longa, que antecipava detalhes da história e o vilão e trocas de mensagens em que executivos do estúdios discutiam questões como o elevado orçamento (estimado à época em US$ 300 milhões, diante dos US$ 200 milhões do longa anterior, Operação Skyfall, de 2012), comentavam sobre "o final decpcionante" da história, o excesso de perseguições e tiroteios e valores de merchandising para produtos usados por Bond - e até mesmo ponderações sobre a qualidade desses produtos.
Por sua vez, o diretor Sam Mendes, que havia dito que não voltaria à franquia após Operação Skyfall, que arrecadou nos cinemas US$ 1,1 bilhão, topou retornar ao set - agora, ele garante que agora deve ser mesmo sua despedida. E, para tensionar um pouco mais o clima nos bastidores, o ator Daniel Craig andou dizendo - e depois dizendo que não disse bem isso - que essa quarta vez que interpreta Bond poderia ser a última.
Enfim pronto e lançado para a apreciação, 007 Contra Spectre reflete em sua estrutura alguns pontos da polêmica. O orçamento - que pode ter chegado a US$ 350 milhões o que faria dele o filme mais caro da história, superando em US$ 50 milhões o custo de Piratas do Caribe: No Fim do Mundo (2007) - é planemente justificado com ação que corre por locações como Cidade do México, Londres, Roma e Tânger, deixando pelo caminho um rastro de prédios, carros, aviões e helicópteros destruídos.
Em relação à trama, a intervenção, se houve, não surtiu efeito. Os fãs da franquia se animaram pela volta da Spectre, organização criminosa que inferniza a vida do agente secreto de Sua Majestade desde que James Bond adquiriu sua licença para matar. Aliás, foi por conta de imbróglio legal recentemente resolvido envolvendo direitos sobre a Spectre e seu chefão, o bilionário gênio do crime Ernst Stavro Blofeld, que o clube do mal aperceu pela última vez na franquia oficial em Somente para Seus Olhos (1981) - e depois em Nunca Diga Nunca (1983), título realizado por outros produtores.
Mas essa expectativa é frustrada pela falta de viço do vilão da vez, Franz Oberhauser, vivido por Christoph Waltz, que compõe um tipo caricato menos interessante que os maquiavélicos e criativos carrascos da Spectre e mais parecido com aqueles que tentavam dar cabo de Batman e Robin de forma espalhafatosa na série de TV dos anos 1960. A curva que o roteiro faz para ligar Oberhauser ao passado de Bond, e também fazê-lo espelhar um antigo chefão da Spectre, é muito forçada.
Bond começa a puxar o fio que o levará ao núcleo da Spectre durante uma espetacular sequência na Cidade do México, em meio à celebração popular do Dia dos Mortos. A partir daí, o herói cumpre a tradicional gincana pelo mundo que é sempre divertida de acompanhar - e isso torna o programa agradável, nunca uma perda de tempo. Mas logo cansa a sucessão de reviravoltas que faz Bond entrar e sair das mais variadas enrascadas enquanto a trama tenta ganhar liga.
Além da Spectre, Bond tem em seus calcanhares um novo chefe, o arrogante C (Andrew Scott), que julga ser obsoleto o trabalho de campo feito por Bond à frente do MI6, o serviço secreto britâncio chefiado por M (Ralph Fiennes).
007 Contra Spectre lança referências a fatos e personagens dos filmes anteriores com Craig - Cassino Royale (2006), Quantum of Solace (2008) e Operação Skyfall. Essa interesante busca por uma unidade na franquia, que tem como caracteristica filmes independentes um do outro, mostra-se em algumas citações forçada e confusa.
Já a alardeada presença da atriz italiana Monica Bellucci como a bond girl madura é bem discreta. Cabe à proustiana personagem da francesa Léa Seydoux, chamada Madeleine Swann, filha de um ex-inimigo, ajudar Bond a chegar à Spectre e também fazer seu coração bater mais forte. Por fim, após Adele ganhar o Oscar com a ótima Skyfall, a música-tema defendida pelo ídolo pop Sam Smith, Writings on the Wall, é bastante chocha.
Atenção para spoiler: um velho conhecido está de volta
- Em 007 Contra Spectre, o austríaco Christoph Waltz é Franz Oberhauser, vilão que tem conexão com a infância de Bond.
- Os roteiristas do novo filme deram um jeito de espelhar em Oberhauser o bilionário gênio do crime Ernst Stavro Blofeld, o chefe da Spectre já vivido na franquia por, entre outros, Donald Pleasence e Telly Savalas.
- Blofeld marcou presença pela primeira vez em Moscou Contra 007 (1963), acariciando seu gato branco, mas só foi mostrar o rosto (o de Pleasence) em Com 007 Só Se Vive Duas Vezes (1967).