O ator cearense Silvero Pereira precisou enfrentar o preconceito do meio artístico e da sociedade para criar um dos espetáculos mais elogiados do Festival de Curitiba de 2014. Estreado em Porto Alegre em 2013, com direção da gaúcha Jezebel de Carli (da Santa Estação Cia. de Teatro), BR-Trans retorna a Porto Alegre, consagrado pela crítica nacional e pelo público, para novas sessões nesta quinta-feira (26/11) e sexta (27/11), no Teatro de Arena. As apresentações integram a programação paralela da 10ª Bienal do Mercosul, em diálogo com o segmento Aparatos do Corpo, exibido na Usina do Gasômetro.
- A classe artística do Ceará tinha a ideia de que os transformistas são pessoas que não se aceitam sexualmente e utilizam a arte simplesmente como desculpa para se vestir de mulher. Mas desde o teatro grego antigo, passando pelo teatro elisabetano, o transformista sempre teve seu lugar - afirma Pereira.
Na contramão das representações estereotipadas dos travestis no teatro e no audiovisual por meio de sua faceta mais exótica e debochada, BR-Trans descortina os dramas humanos de vivências que se equilibram entre a tragédia e um humor ressignificado como válvula de escape de um cotidiano que é frequentemente de violência. Em cena, na pele de Gisele, Pereira narra histórias e canta acompanhado do músico gaúcho Rodrigo Apolinário.
A pesquisa de campo envolveu entrevistas com travestis, transexuais e transformistas do Rio Grande do Sul (no Presídio Central, na Avenida Farrapos e no meio acadêmico) e do Ceará, mas o que diferencia o trabalho é uma conviência de longa data com o universo trans, iniciada em 2002, que se traduziu em um material singular. Esta pesquisa "epidérmica", segundo Pereira, foi motivada pelo princípio antropológico de interferir o mínimo no espaço investigado para absorver o máximo. Por isso, ele explica que não apresenta uma interpretação ou um mero ponto de vista, mas uma atuação que revela uma vivência:
- É um espetáculo documental. É como abrir um diário de pesquisa do ator para o espectador. Tudo que é dito no espetáculo eu presenciei ou tive acesso, pois acabei vivenciando esse universo com propriedade e respeito. Mas esse envolvimento vai além da pesquisa. Hoje, isso transcende a questão do ator e diz respeito à minha amizade com travestis, transexuais e transformistas.
O ator relata que foi sensibilizado para o tema quando passou a morar em uma comunidade onde viviam travestis e constatou que os homens que se relacionavam com elas à noite eram os mesmos que as maltratavam no outro dia. Passou a utilizar o teatro para contar essas histórias, de início sem pretensão "política" ou "militante". Em 2002, estreou o primeiro espetáculo sobre o tema, Uma Flor de Dama (apresentado em cidades gaúchas em 2014), com o Coletivo As Travestidas, reunindo artistas de diversas linguagens. O objetivo da pesquisa não era enfocar a questão da violência, mas o tema se impôs durante o processo.
- O Brasil está em primeiro lugar no ranking de assassinatos de travestis e transexuais no mundo, seguido pelo México. É um dado muito alarmante. Somos uma sociedade que finge ser democrática, mas é preconceituosa e violenta - diz Pereira.
Jezebel, a diretora, comemora com o ator a visibilidade alcançada por BR-Trans desde o Festival de Curitba, o que motivou convites para novas temporadas e rendeu frutos. Um filme inspirado na peça deve estrear entre o final de 2016 e o início de 2017. No ano passado, o Coletivo As Travestidas estreou um novo espetáculo, Quem Tem Medo de Travesti, que deve chegar a Porto Alegre no primeiro semestre de 2016, e já prepara dois novos trabalhos para o ano que vem. Sobre o sucesso de BR-Trans, Jezebel constata:
- É um grande ator em cena, que tem uma potência e um trabalho técnico. Trata de um tema sobre o qual está na hora de se falar com propriedade, e não de forma superficial. Mas a peça vai além do universo trans para falar do humano, das diferenças. Quem não passou por uma humilhação na vida?
BR-TRANS
Nesta quinta-feira (26/11) e sexta (27/11), às 20h. Classificação: 14 anos. Após a sessão desta quinta, haverá bate-papo com o ator Silvero Pereira, o curador-adjunto da 10ª Bienal, Márcio Tavares, e a coordenadora do Programa Educativo da Bienal, Valência Losada.
Teatro de Arena (Borges de Medeiros, 835, acesso pela Duque de Caxias), em Porto Alegre, fone (51) 3226-0242.
Ingressos: R$ 40. Desconto de 50% para estudantes, idosos e classe artística. À venda na bilheteria do teatro, das 13h até o início das sessões.
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