Um dos mais sensíveis títulos da recente safra cinematográfica brasileira, Ausência foi o grande vencedor do Festival de Gramado deste ano, levando os kikitos de melhor filme, direção, roteiro e trilha musical. A produção em cartaz no Espaço Itaú 2 é o segundo longa de ficção do cineasta Chico Teixeira, diretor de outro drama familiar potente: A Casa de Alice (2007), que estreou na prestigiada mostra Panorama do Festival de Berlim de 2007 e ganhou 33 prêmios em mais de 60 festivais internacionais.
Ausência acompanha o jovem Serginho (Matheus Fagundes), garoto de subúrbio que se tornou o homem da casa, cuidando da mãe alcoólatra Luzia (Gilda Nomacce) e do irmão pequeno. Trabalhando na barraca do tio feirante, Serginho só fica à vontade ao lado do amigo Mudinho e no apartamento do professor Ney (Irandhir Santos), que o ajuda com as tarefas escolares. Apesar da maturidade precoce, o adolescente de 15 anos começa a se sentir sufocado pelas responsabilidades e carências: a busca de uma figura paterna, a descoberta da sexualidade e a falta de perspectivas profissionais potencializam o desgarramento de Serginho no mundo.
Diretor dos documentários Criaturas que Nasciam em Segredo (1995) e Carrego Comigo (2000), Teixeira imprime em Ausência um tom naturalista e seco de registro do cotidiano, que lembra o cinema humanista mas sem sentimentalismo dos diretores belgas Jean-Pierre e Luc Dardenne. A participação da célebre preparadora de elenco Fátima Toledo, que já havia trabalhado com o realizador em A Casa de Alice, foi fundamental para que as interpretações de Matheus, Gilda e Irandhir revelassem a intensidade e a complexidade dos sentimentos de seus personagens.
– Fizemos uma preparação diária durante um mês. Um dos objetivos desse processo era realmente criar uma relação dos atores com seus personagens e entre si. A Fátima filmava tudo, sem a presença física do Chico. Aos poucos, a Fátima foi saindo e o Chico entrando. Criei uma relação linda com a Gilda e foi um grande aprendizado trabalhar com o Irandhir, que é um dos melhores atores que temos no Brasil. Tivemos umas trocas muito legais dentro e fora de cena – conta Matheus Fagundes, 18 anos, lembrando que tinha 16 anos quando rodou Ausência.
Atriz de filmes como Trabalhar Cansa (2011) e De Menor (2013), a talentosa paulista Gilda Nomacce também destaca a importância do trabalho com o método de Fátima Toledo:
– A gente virou uma família. Fui escolhida antes do Matheus, assim passaram muitos “filhos” nos ensaios antes dele. Em um dos exercícios, eu tinha que escolher o Serginho entre vários candidatos. No primeiro momento, não escolhi o Matheus. Mas logo senti uma coisa animalesca, quase estourou meu peito, e acabei trocando o escolhido pelo Matheus. Ali eu entendi que a nossa relação, entre Luzia e Serginho, já existia.
Já o premiado pernambucano Irandhir Santos, ganhador do Kikito de melhor ator no Festival de Gramado por Tatuagem (2013), ressalta o entusiasmo e a entrega de seu estreante colega de elenco em Ausência:
– Uma das coisas que eu tento manter é a pulsação da primeira vez que pisei no palco ou entrei em um set de cinema. E isso eu vi no Matheus, o que me retroalimentou. Foi uma troca linda. Como ator, eu me sentia reagindo à pulsação do Matheus. O que me chamou a atenção no personagem do Ney é justamente o que ele esconde. O que ele esconde do Serginho e do público foi tão trabalhado no filme quanto o farol que ele representa para esse menino.
Ausência
De Chico Teixeira Drama, Brasil, 2014, 12 anos.
Em cartaz no no Espaço Itaú
Cotação: 4