No seu Ensaio sobre os Costumes no Rio Grande do Sul, João Cezimbra Jacques, entusiástica e exageradamente, afirma: "Pode-se quase dizer que todos os rio-grandenses são poetas, pois que a risonha e mimosa perspectiva de seu solo os excita naturalmente para a poesia". E cita, referindo-se a um pretenso "bardo rústico" que fora soldado farrapo, que sabia apenas assinar o nome, a seguinte estrofe rimada: "Pode do mundo a grandeza / Reduzir-se toda ao nada / E ver-se toda mudada / A ordem da natureza / Esta vasta redondeza / Matizada de mil cores / Pode o autor dos autores / Mudá-la em céu de repente / E desse modo igualmente / Pode o sol produzir flores".
Uma leitura, ainda que superficial, destes versos por certo não deixa a impressão de que o autor seja um iletrado. Um espontâneo cantor popular, esgrimindo apenas com o intuitivo aço da oralidade, talvez não estivesse apto a tal construção aplicando com rigor as normas da língua culta. Os versos não parecem acomodar-se com conforto à boca de um cantador pouco letrado. Contudo, assim foi sendo construída a lenda de Pedro Muniz Fagundes, o Pedro Canga.
Guilhermino Cesar refere-se, em História da Literatura do Rio Grande do Sul (1955), a Francisco Pinto da Fontoura - o Chiquinho da Vovó -, letrista do Hino Rio-Grandense, e a esse Pedro Muniz Fagundes como poetas populares. Mais tarde, em 1968, publica um breve estudo intitulado O Embuçado do Erval - Mito e Poesia de Pedro Canga. Localizando um indivíduo afeito à guerra, às lides do campo e improvisador à viola, o historiador deixa claro que as fontes documentais são frágeis: "Não sabemos, assim, onde estudou, se é que estudou, se é que fez estudos regulares. Suas poesias dizem que sim". Contudo, a fama que lhe restou o apresenta como um poeta-soldado, do qual o pouco que se sabe só passou a ser divulgado a partir de 1889.
Aí está mais uma daquelas provisórias origens que aqui tenho comentado. Pedro Canga, um precursor da poesia oral improvisada do Rio Grande do Sul e ainda um enigma.