Por indicação do professor Luís Augusto Fischer, ando mergulhado nas páginas de Facundo, ou Civilização e Barbárie, de Domingo Faustino Sarmiento, obra reverenciada como fundadora da literatura argentina datada de 1845. Já nas primeiras linhas, quando começa a ser traçada a dicotomia entre campo e cidade, sendo o primeiro associado à barbárie e, por consequência, a outra ligada à civilização, surge a descrição de quatro tipos humanos que me levaram a esta reflexão. Identificados como frutos do universo bárbaro do pampa gaúcho argentino, nos são apresentados o rastreador, o baqueano (vaqueano), o gaúcho mau e o cantor. Encontramos esses tipos, quase dois séculos passados, figurando ainda singularmente no cancioneiro sul-rio-grandense.
O rastreador é aquele que detém o código cifrado das pistas e jamais perde um sinal, uma pegada, um aroma. Achei-o na canção homônima de Telmo de Lima Freitas que o descreve como misto de pomba e gavião, das Missões ao Chuí. O baqueano (vaqueano) vive nos versos de Jayme Caetano Braun, na melodia de Talo Pereyra e na voz personalíssima de Leopoldo Rassier - canção homônima, finalista da sétima edição da Califórnia de Uruguaiana. O gaúcho mau, que no dizer de Sarmiento podia, por não ser compreendido, ter adquirido conduta agressiva, é o Paisano que um dia chegou de longe e nunca se soube de donde de Luiz Menezes, ou o Estácio Ariju que era bandido - porque enleiado/ na rudez da ignorância/ fez da fuga e da distância/ seu modo de mal viver, do romance do injustiçado de Aparício Silva Rillo.
E, por fim, o cantor, que no livro argentino é aquele cuja morada está onde a noite o surpreende; sua fortuna, em seus versos e na sua voz. Lembro de Velho Cantor - canção finalista da nona Califórnia da Canção Nativa -, versos inspirados de Gilberto Carvalho, melodia e interpretação do grande Marco Aurélio Vasconcelos: dizia o velho cantor/ no seu campeiro cantar/ quem passa a vida cantando/ não sente a vida passar...