Se havia alguma dúvida de que Adam Lambert seria bem recebido pelo fãs de Queen, esse medo não faz mais sentido. O novo vocalista, acompanhado dos lendários Brian May e Roger Taylor, fez um show musicalmente impecável, divertido, cheio de sucessos, executado com quase perfeição e com participação intensa das 5 mil pessoas que lotaram o Gigantinho, em Porto Alegre, nesta segunda-feira. Do lado de fora do ginásio, as reações não deixavam dúvida: Adam Lambert está aprovado e sua apresentação com o Queen entra para a história da Capital.
Assim que a banda subiu ao palco, com poucos minutos de atraso, o clima era um misto de celebração e dúvida. Como havia acontecido no Rock in Rio, três dias antes, os fãs, acostumados com o microfone nas mãos de Freddie Mercury, estranharam Lambert. Pela tarde, graças a problemas com o Plano de Prevenção Contra Incêndio chegou-se a cogitar o cancelamento da apresentação, o que não se confirmou - o imbróglio pode ter ajudado a criar um clima esquisito.
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Aos 33 anos, Lambert é mais espalhafatoso e engraçado do que seu antecessor, dá ares de diva pop, com saltos altos e poses de übermodel, e tem a voz mais aguda do que a de Freddie. Mas a desconfiança não dura duas músicas: One Vision é comemorada como qualquer primeira música de um show do Queen, Another One Bites the Dust arrebata com seu riff inesquecível e, na terceira música do repertório, Fat Bottomed Girl, o norte-americano se sai bem demais - durante as mais de duas horas de apresentação, a performance do vocalista é melhor em algumas músicas do que em outras, mas não chega nem perto de comprometer. A partir daí, quem sentia falta de Freddie Mercury passa a celebrar sua carreira ao lado do guri de 33 que o substitui - com muito respeito, vale dizer.
Freddie Mercury, claro, é um personagem quase constante do show. Antes de Love of my Life, Lambert perguntou para os porto-alegrenses "quem ama Freddie Mercury" e recebeu um urro em uníssono de resposta. Em seguida, o guitarrista Brian May assumiu a frente do palco para fazer um dueto com a imagem do antigo vocalista, morto em 1991, reproduzida no telão, num dos momentos mais emocionantes da noite. O palco, por sinal, é uma atração à parte: gigante e com uma passarela que atravessa a pista e chega quase às arquibancadas, a estrutura deixou as estrelas perto de praticamente todos que entraram no Gigantinho. Havia poucos pontos - se é que havia algum - em que a visibilidade ou o som eram deficientes.
Outro ponto interessante: mesmo com idade além dos 60 anos, o núcleo duro da banda não se furta de usar ferramentas tecnológicas para deixar o evento mais divertido. Brian May usa uma câmera GoPro instalada na ponta de sua guitarra, que ele aponta para o público e para Roger Taylor quase como uma criança que descobre uma nova tecnologia. Em outro momento, empunha um pau de selfie que transmite suas imagens para o telão. Roger Taylor também toca bateria e faz caretas olhando para uma segunda câmera, essa instalada na ferragem de seu instrumento. Os momentos em que o guitarrista e o baterista brincam com a plateia são excitantes para eles e para os fãs - no fim, todos estão sorrindo.
No miolo do show, depois do "momento Freddie Mercury", há duas passagens que destoam do resto: a sequência de These are the Days of our Lives, com Roger Taylor nos vocais, seguido de solos de baixo e bateria, é o primeiro em que a rotação da apresentação diminui. Duas músicas depois, quando Adam Lambert canta Ghost Town, música de sua carreira solo, o sentimento é de estranheza. A música é um hit pop pasteurizado que não se encaixa no repertório do Queen. Os fãs do cantor, saído de um reality show norte-americano, podem ter gostado, mas quem foi assistir ao Queen não entendeu o que estava acontecendo e foi pegar mais cerveja.
Mas, logo na sequência, vem a parte final da apresentação, com a sequência irresistível de Tie Your Mother Down, Don't Stop me Now, Bohemian Rhapsody, I Want it All e Radio GaGa. E é nessa sequência que se percebe que Lambert vai melhor em algumas músicas do que em outras: as duas últimas parecem feitas para ele, que tem uma abrangência vocal impressionante, enquanto as outras três soam fracas sem a imposição da voz de Freddie Mercury - é quase impossível não notar que Lambert ainda tem vícios de reality show, o que por vezes faz com que soe artificial e forçado. Nada que comprometa a performance do novo vocalista, mas um reparo necessário.
No fim das contas, descontados os pequenos problemas da apresentação, fica para a história o show de um dos maiores guitarristas da história e de um dos maiores bateristas da história acompanhados de um vocalista talentoso, ousado e performático. Ainda mais depois do bis, que foi cantado em clima de hino: We Will Rock You e We Are the Champions, entoada por milhares de vozes realizadas.