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O texto dramático Vida de Galileu foi escrito pelo dramaturgo, encenador e teórico do teatro Bertolt Brecht (1898-1956) entre 1938 e 1939, às vésperas da II Guerra Mundial, em plena Alemanha nazista, e reelaborado em mais de uma ocasião nas décadas seguintes.
Essa revisitação demonstra o apreço que Brecht nutria pela figura do astrônomo, físico e matemático italiano Galileu Galilei (1564-1642), e como esse personagem histórico encaixa-se perfeitamente na ideia de teatro dialético que o autor alemão construiu ao longo de sua carreira.
Dentre as várias e inestimáveis contribuições de Galileu à ciência, tendo sido ele um dos precursores do método experimental, talvez a mais notória seja a comprovação da teoria heliocêntrica do polonês Nicolau Copérnico (1473-1543), que defendia o fato de que a Terra girava em torno do Sol, e não o contrário, como se acreditava desde o modelo geocêntrico de Ptolomeu, do século II.
O que tornou o dilema de Galileu tão propício ao drama, na visão de Brecht, foi a "escolha de Sofia" pela qual o italiano passou, quando foi obrigado pela Igreja Católica a negar sua crença heliocêntrica, sob o risco de ser condenado à fogueira por heresia, pela Inquisição. O ponto de vista da Igreja - alicerçado na ideia das esferas cristalinas de Aristóteles, que girariam ao redor da Terra tendo em cada uma delas, incrustado, um corpo celeste como o Sol, a Lua ou os planetas - não admitia ser possível que Deus não tivesse colocado o Homem no centro do universo.
Fato inegável é que a peça de Brecht é brilhante, uma de suas obras-primas. Mas, como se sabe, o texto dramático é incompleto por definição, pois só pode tencionar sua plenitude quando encenado, sendo, até então, apenas sugestão de potência. E é aí que entra a razão de ser deste comentário, endereçado à encenação de Cibele Forjaz no espetáculo Galileu Galileu, adaptação, com alguns cortes, do texto de Brecht. O espetáculo tem apresentações de quinta (10/9) a sábado (12/9), no Theatro São Pedro, pela programação do 22º Porto Alegre Em Cena.
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Como não se deixar seduzir pela vitalidade da encenação? Mais que vitalidade: teatralidade lustrosa, debochada, crítica, posicionada ideologicamente, sem necessidade de reconstituição de época, incorporando elementos anacrônicos ao tempo da ficção e deles fazendo um uso totalmente a favor do espetáculo. É certo que não há originalidade nesses artifícios, e quem disse que deveria haver? O ineditismo não é a marca principal da encenação de nosso tempo, que cada vez mais é uma arte relacional: relação entre referências estéticas, entre atores e espectadores, entre códigos que se sobrepõem.
Galileu Galilei mostra com maior clareza alguns de seus territórios referenciais, como o circo e o carnaval. O circo, especialmente, pelo principal espaço cênico da encenação, uma espécie de picadeiro que representa a casa de Galileu, onde o circo metafórico simbolizado pelo jogo de interesses que marca a relação entre ciência e religião se desenvolve. O carnaval ganha espaço auxiliado pela própria dramaturgia de Brecht, que localiza uma de suas cenas durante a festa de rua italiana.
Na cenografia, um volumoso retângulo de madeira que reproduz uma gigantesca escrivaninha: as gavetas, quando puxadas, transformam-se em degraus e tem-se, então, uma escadaria. Essa escrivaninha de proporções exageradas faz lembrar justamente os carros alegóricos dos desfiles de escolas de samba, com sua propensão à síntese, típica do Carnaval: é como se a escrivaninha fosse o elemento-chave para compreender Galileu, um cientista que passou a vida estudando e investigando obsessivamente as questões que o assombravam.
O espetáculo investe no riso como arma para capturar a atenção. O texto de Brecht não é, nem de longe, engraçado, pelo contrário. A opção da equipe de Galileu Galileu foi, ainda assim, fidelíssima ao já referido teatro dialético brechtiano, justamente por tornar presentes pelo menos dois pontos de vista sobre o que se vê sobre o palco. Entreter, já dizia Brecht, é fundamental para se falar sério. É claro que Cibele Forjaz não se propõe apenas a reconstituir uma estética, mesmo que utilize alguns dos célebres efeitos de estranhamento que o alemão criou para suas encenações, como o uso de cartazes, que anunciam o título e os acontecimentos de cada cena, e as songs, executadas com música ao vivo pelo elenco.
A atualidade do tema é escancarada e dá espaço, ainda, a uma inesquecível aparição dos "coxinhas batedores de panela", de cabeleiras louras: fica evidente o posicionamento político do espetáculo, reforçado pelo hino da Internacional Comunista, tocado de forma pungente, quase ao final da encenação.
Em tempo: um grupo de atores de alta qualidade, com destaque à composição de Denise Fraga como Galileu, e ao hilariante Ary França, que rouba a cena quando atua como um cão ou como o cardeal inquisidor. Galileu Galilei difunde, com êxito, a riqueza de Brecht, um autor que anda um pouco esquecido pelo teatro contemporâneo.
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GALILEU GALILEI
Desta quinta-feira (10/9) a sábado (12/9), às 21h.
Theatro São Pedro (Praça Marechal Deodoro, s/nº), fone (51) 3227-5100.
Ingressos: R$ 80 (restavam poucos ingressos).
Desconto de 50% para sócio do Clube do Assinante e acompanhante.
22º PORTO ALEGRE EM CENA
Até 21 de setembro em diferentes espaços da Capital.
Ponto de venda sem taxa: Usina do Gasômetro (João Goulart, 551), todos os dias, das 12h às 18h.
Pontos de venda com taxa: loja My Ticket Padre Chagas (Padre Chagas, 327), de segunda a sexta, 9h às 18h, sábado, das 10h às 15h), call center 4003-1212 (segunda a sexta, das 9h às 22h, sábados, domingos e feriados, das 12h às 18h), site ingressorapido.com.br.
Quando houver disponibilidade de ingressos no dia do espetáculo, os bilhetes também serão vendidos uma hora antes do início da apresentação diretamente no local.