Eram anos de chumbo. A ditadura era bombacha apertada para aquela gente acostumada na dança das ideias. A repressão tinha mil olhos. Eram perigosas as palavras em descompasso com os donos das estrelas. Dizia o Capitão Caraguatá: "quem represa as águas termina levado pela correnteza". Nos muros saltavam palavrórios panfletários.
- Isso é artimanha desse sacripanta Ambrósio Diniz - comentavam policiais de prontidão.
Num entardecer, Seu Diniz mateava num banco da Praça Pedro Osório, alisando o pelo de um gato que tinha a coloração de suas ideias. Galoparam os minutos e foi aquele espalha brasa. De uma viatura desceram homens de casaco de couro e óculos Ray-ban, seguidos por uma tropa de milicos batendo coturnos nos paralelepípedos. Do Gato Escarlate, nem o miado. Tomaram chá de sumiço. Na calada da noite, os vigias do sistema concluíram: "Se tivermos o gato nas mãos, teremos o homem no alçapão".
- Gato e mulher feia voltam sempre pra casa - sentenciou o inspetor Alves Branco.
Seguindo as pegadas do felino, será fácil desmantelar o aparelho clandestino. Estava aberta a temporada de caça ao Gato Escarlate! Pelas noites de lua cheia, altas patentes de graduada hierarquia miavam pelos telhados à procura do bichano escarlate. Foi oferecido aos investigadores CR$ 50 mil pela captura do gato.
Domingo de manhã, o inspetor Dilermando Viera avistou, sobre a copa de uma palmeira, o bicho famigerado. Com o auxílio de quatro pinguços foi armado o plano de captura. Era preciso vergar a árvore abonada de verdejações. Um laço de 25 rodilhas foi alçado, e a árvore foi se curvando com a elegância de um visconde.
Quando o ronronar do gato já bolinava os tímpanos dos caçadores, a corda rebentou e foi aquela alaúza. Se o arco-íris miasse, teria essa trilha sonora. Com impulsos de arco e flecha, o Gato Escarlate cruzou os céus de Pelotas qual meteoro, do bairro Fragata às margens do Rio São Gonçalo. À noite, o Comando Geral expediu um comunicado secreto: "Advertimos ao quadro de profissionais que o Gato Escarlate, além de subversivo é voador". Pelotas 1972.