A II Guerra Mundial deixou profundas cicatrizes que, no ótimo filme alemão Phoenix, materializam-se no rosto de uma talentosa cantora de cabaré. Ela se chama Nelly. É judia. Foi feita prisioneira em Auschwitz. Saiu do campo de concentração desfigurada e, ao fim do conflito, em meio a uma Berlim em escombros, busca desesperadamente recuperar a própria identidade, tentando se reerguer a partir dos resquícios de sua vida pregressa.
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Phoenix, que estreia nesta quinta-feira na programação do Guion Center, é dirigido por Christian Petzhold e protagonizado por Nina Hoss, mesma dupla de Yella (2007), Jerichow (2008) e Bárbara (2012). Volta a falar de identidade em uma Alemanha traumatizada, desta vez deixando de lado os movimentos migratórios de Jerichow e a busca por liberdade em um país dividido entre capitalismo e comunismo (tema de Bárbara) para focar no maior dos abalos morais vivenciados pelos alemães no século 20.
No início da trama, Nelly retorna à cidade ao lado de Lene (Nina Kunzendorf), militante sionista que trabalha auxiliando os judeus sobreviventes da guerra. É dela que recebe assistência e algumas dicas, entre elas a de se mudar para o recém-criado Estado de
Israel.
É interessante acompanhar seu debate entre a possibilidade de se "recriar", palavra usada por Lene e pelo cirurgião plástico que opera o rosto de Nelly, e a de se "recuperar", reconciliando-se com seu passado. A protagonista prefere o segundo termo: em vez de começar do zero, deseja retomar a vida que havia deixado para trás. Para tanto, parte em busca do ex-marido Johnny (Ronald Zehrfeld), pianista com quem se apresentava e que, agora, trabalha no cabaré Phoenix.
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O néon da boate em meio à escuridão da cidade destruída constitui uma das muitas imagens marcantes de Phoenix, um filme repleto de simbologias, que trabalha com uma gama de significados ampla em cada um de seus planos. O encontro de Nelly com a luz, no entanto, vai se revelar mais complexo do que ela imaginava inicialmente. A sequência final é inesquecível justamente por afirmar como os desejos individuais, naquele contexto, estão inexoravelmente sufocados por algo maior.
A falsa simplicidade da construção narrativa garante que Phoenix funcione com todos os tipos de público. Trata-se, no fundo, de um emocionante melodrama, que evoca o trabalho do diretor Rainer Werner Fassbinder e suas inesquecíveis mulheres engolidas por uma sociedade que perdeu a razão. De certa forma, Nelly é Lili Marlene, Maria Braun e Veronika Voss: uma sobrevivente do caos em que mergulhou o seu país.
Phoenix
De Christian Petzhold
Drama, Alemanha, 2014, 98min, 14 anos.
Estreia nesta quinta-feira no Guion Center 2, em Porto Alegre.
Cotação: ótimo.