Corria o ano da graça de 1990. Para me encontrar, um pouco mais robusto do que hoje, seria preciso entrar na sala 110 do Colégio Rosário, à tarde, e olhar para as últimas fileiras, sempre mais ao fundo era o meu lema, já que um gordo é menos notado à proteção da preguiça do olhar para trás, gesto que mesmo aos magros exige certo esforço.
Os meus 14 anos, eu fechado nos livros de ficção, escudo físico tão mais denso que o papel, descobrindo o amor com Kundera e Vargas Llosa, fantasiando com a Luciana Vendramini, cercado pelos meus companheiros de Sibéria: um halterofilista amador que repetira duas vezes o primeiro ano, um cabeludo filosofante quando ninguém ainda usava cabelos compridos, e um sujeito magro e calado, que às vezes trazia uns biscoitos bem passáveis feitos pela mãe.
Acessório dizer que as gurias da sala jamais nos viam. Criado no subúrbio, com alguns fumos de aristocracia, eu tentava ser educado quando tinha de falar com elas, até usava um perfume caro naqueles inícios de Era Collor, feito um luxo excessivo. Desastrado, eu pouco aprendera nas reuniões dançantes.
Apesar disso, dos hormônios e das ânsias pelas coisas desconhecidas ao adolescente, eu me sentia bem. Éramos quatro soldados numa turma de 40, o que nos dava o poder bélico de uma guerrilha. Tudo, no entanto, viria a mudar no dia em que nosso amigo calado não veio nos encontrar na hora do recreio.
Avançava junho, e muitos casais se formavam entre os charmosos das primeiras filas. No pátio central, escondido por um dos pilares, vimos nosso aliado oferecer seus biscoitos a uma de nossas colegas, e que nem era feia. Ao toque do sinal, os dois trocaram um selinho e então se deram as mãos. O brutamontes queria espancá-lo. O filósofo, alertá-lo sobre a manipulação de que era vítima. Eu fazia coro ao vaticínio de que ela o largaria logo depois do Dia dos Namorados. A verdade é que os outros casais se desmancharam antes do fim do mês, mas os dois seguiram juntos pelos três anos do segundo grau. Gosto de pensar que ainda estão juntos, como naqueles romances açucarados de que sempre debochei, gosto mesmo. Nunca os busquei nas redes.
Pois até o mais cético dos céticos precisa da esperança de um amor verdadeiro.