Você já assistiu a "Jurassic World: O Mundo dos Dinossauros", que estreou nos cinemas semana passada? Quer saber o que tem de plausível, cientificamente, no quarto filme da dinofranquia? ZH conversou com quatro especialistas: os professores de Paleontologia Alexander Kellner, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rodrigo Santucci, da Universidade de Brasília (ambos por telefone), e Marco Brandalise de Andrade, da PUCRS, e o paleoartista paulista Pedro Rodrigues Busana (estes dois últimos, por e-mail).
"Em ficção, não precisa haver compromisso científico"
Rodrigo Santucci, Professor de Paleontologia da Universidade de Brasília
"Fui assistir com meus alunos de Paleontologia, meio sem expectativa. O final me decepcionou, mas é um bom filme, me diverti. Lembro que, na época em que divulgaram o trailer, uma coisa me incomodara: puxa, demorou tanto para rolar uma nova história, e ai aparece um dinossauro transgênico, um dos protagonistas tentando domesticar um velocirraptor... Fui com uma má impressão: eram ideias ruins. Mas acharam boas saídas para justificar as coisas, para que não ficassem esdrúxulas.
É uma questão comercial, como diz um personagem: os visitantes do parque já estavam entediados de verem um T-rex se alimentando, um saurópodo fazendo suas coisas. O público precisa de uma novidade, faltava algo maior do que um dino, mais inteligente, mais ameaçador. Daí surgiu o Indominus. Se fosse um documentário, é óbvio que a gente ficaria pegando no pé. Mas em ficção tudo é válido. Não precisa existir compromisso científico.
Por isso, não dou tanta bola para a polêmica das penas, ou da falta de penas. Hoje sabemos que as plumas eram comuns, mas imagine ver um velocirraptor todo fofinho devorando pessoas? Não vou dizer que foi acertada a decisão de manter esses dinos "pelados", mas foi coerente.
Vale o mesmo para a posição da narina dos saurópodos. A gente sabe que a maioria sofreu uma retração, fica mais perto dos olhos, e não na ponta. O crânio do velocirraptor é gigantesco no filme, mas a gente sabe que era pequeno. Poderia haver mais cuidado, mas não vejo problema.
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Tem uma frase no filme que é emblemática e que tira o poder de qualquer comentário desabonador: 'Todos os dinossauros aqui têm DNA de outra coisa, nenhum é original'. Isso serve como desculpa para as liberdades em relação à ciência. O mais importante é que o filme desperta o interesse das pessoas pela paleontologia."
Assista ao trailer do filme:
"Qualquer aluno de Paleontologia teria evitado os erros"
Alexander Kellner, Pesquisador do Museu Nacional/UFRJ e integrante da Academia Brasileira de Ciências
"Eu gostei do filme? Sim. Achei bacana? Sim... Se eu fosse um menino de 10, 12 anos, teria pulado da cadeira e aplaudido em pé! Como eu já tenho meus 50 anos, fico sentado, de braços cruzados, com um senso mais crítico.
Gostei sim, mas com ressalvas.
Achei o filme piegas - americano gosta muito disso. Tem um pendor ao exagero. T-rex e raptors se unem pra derrotar o Indominus, o dino criado em laboratório. Essa colaboração não existe na natureza entre animais que estão no topo da cadeia alimentar. Duas espécies não se unem para derrotar ninguém, ainda mais quando uma (no caso, o T-rex), poderia se alimentar da outra (os raptores).
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Sem querer ser cientista chato, existem erros que eram facilmente evitáveis e que não mexeriam na trama da história. Você pode divertir e, ao mesmo tempo, passar uma informação científica acurada. Por exemplo: no filme, aviário é o nome que se dá ao lugar onde ficam os pterossauros. Errado: pterossauro não era ave, mas um réptil voador. Será que, com um orçamento desse tamanho (cerca de US$ 150 milhões), não dava para contratar um paleontólogo para atuar como consultor? Qualquer aluno de Paleontologia teria corrigido esse erro.
Alguns pterossauros estão fora de proporção, e, no mundo real, mesmo os maiores não teriam condições de erguer uma pessoa. Aliás, jamais atacariam uma pessoa, pois se alimentavam de peixes ou pequenas presas.
Da mesma forma, é praticamente impossível uma mulher, que no filme é uma empresária, conseguir correr mais rápido do que um T-rex. E você pode tentar domesticar um cachorro, mas dificilmente um réptil, particularmente fazendo com que este tenha uma empatia e defender você com relação a um 'inimigo' bem maior!
Outro erro crasso: mosassauros são lagartos marinhos que chegaram a ser enormes predadores no final do cretáceo. Media entre 15 a 17 metros, caso do Tylosaurus o maior que teria existido. No filme, parece que ele tem pelo menos 30 metros.
Por fim, bancando o paleontólogo enciumado: é um filme sobre dinossauros que não tem personagem paleontólogo. Os três filmes anteriores tinham. Acho que teria dado mais veracidade."
"Quanto maior, melhor? Não é bem assim"
Marco Brandalise de Andrade, Professor de Geologia e Paleontologia Faculdade de Biocências da PUCRS
Entramos no cinema para assistir a Jurassic World. Expectativa para ver um dinossauro, claro! Uma cena de neve, em close. Surgem um par de patas negras. O dinossauro, enfim. Que efeito bom: parecem patas reais. A câmera se distancia, ampliando o campo de visão, mostrando... um corvo. Ele crocita e sai voando. Aaahhh, esse não vale! Porém, é o único dinossauro que será visto ao longo do filme. E é de verdade.
Parafraseando um personagem do filme: "Não há dinossauros em JW". Desde a concepção original do escritor Michael Crichton, os 'dinos' de Jurassic Park e Jurassic World são produto de engenharia genética: DNA de dinos verdadeiros, colado com DNA de animais atuais para estruturar um genoma completo. Assim, todos os dinos são apenas falsificações.
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A premissa do parque temático de Crichton era: quanto mais real, melhor. Steven Spielberg não entendeu isso, foi por uma linha "quanto maior, mais dentes, garras e espinhos, quanto mais mutações tiver a fera, melhor". Não é bem assim. Maior implica em mais peso e estresse mecânico sobre o esqueleto. Estudos em biomecânica de dinossauros, por exemplo, determinaram que um T-rex não poderia correr e que - se o fizesse - o fêmur (osso da coxa) não aguentaria a pressão e se quebraria. O dino-monstro de JW precisaria de ossos muito robustos, diminuindo sua agilidade. A verdade é que esse monstro mal deveria caminhar rápido.
O mesmo deveria acontecer com todas as outras feras aumentadas. Seriam animais pachorrentos e lentos. Esse dino-monstro usa a camuflagem térmica supostamente obtida pelo uso de genes de uma perereca. Pererecas são animais pequenos e 'de sangue frio'. É razoável pensar que um animal pequeno poderia modular sua temperatura em alguns décimos de grau. Já o dino-monstro, com aquele tamanho todo, jamais poderia eliminar toda a sua assinatura térmica se fosse 'de sangue quente'. E, se fosse de sangue frio, não seria um predador dinâmico. E por que diabos todos os bichos têm que urrar cada vez que abrem a boca? Cada animal tem seu som particular: leões e onças, seu rugido; lobos uivam e ladram; pássaros cantam; serpentes silvam. Mas são sons de alerta, defensivos, relacionados a interação com o próprio grupo. Predadores caçando certamente não ficam rugindo a torto e a direito.
Não é que faltem méritos em JW. Quando apresenta a ideia de que animais de cativeiro podem se tornar mais agressivos que seus congêneres na natureza, acerta em cheio. Existem várias evidências, em zoológicos e centros de criação de animais. No filme, fala-se claramente que confinamento eleva ainda mais o nível de agressividade. Infelizmente, leva-se isso longe demais. No entanto, a ideia geral está correta e tem embasamento científico. Por exemplo, o professor Ivan Sazima, da Unicamp, trabalhou com jararacas em campo e laboratório. Em campo, elas tentavam o bote em apenas 20% das ocasiões em que eram confrontadas. Em cativeiro, esse número subia para acima de 80%. Chamamos isso de estresse de cativeiro, e esse é o motivo que desde os anos 1980 zoológicos e criadouros do mundo todo buscam inserir elementos naturais em recintos de animais.
Nos dois bons livros de Crichton, havia uma história interessante, um desenvolvimento coerente e a dose certa de 'ficção' para fazer com que o 'científica' fosse verossímil. Este balanço só foi encontrado no primeiro filme da franquia. Jurassic World não passa de um demolition derby, ou um MMA de dinossauros. Pior: de monstros com cara de dinossauro. King Kong fez isso já, e fez bem melhor. E, no campo das criaturas fantásticas, perde de longe para Avatar.
"É como comida de fast-food: gostoso, mas também artificial e comercial"
Pedro Rodrigues Busana, Paleoartista e graduando do curso de Ciências Biológicas da UFSCar de Sorocaba (SP)
"Para os leigos, trata-se de uma diversão honesta. Longe de ser inesquecível, mas também de ser uma perda de tempo. Para os já fãs da franquia, será um prato cheio de ótimas referências dos filmes anteriores. Desde pequenos detalhes em objetos e cenas até a primorosa trilha sonora. Para os paleontólogos muito sensíveis, só lhes digo: não se deixem abater tanto pelos dinos sem penas. Vocês sabiam que seriam assim desde o começo. Tenham em mente que foi a versão deles sem penas de 1993 que muito provavelmente influenciou a escolha das suas carreiras de hoje, então não há motivos para pensar que isso não possa ocorrer novamente com a geração de agora. Nem mesmo os raptores adestrados estão tão ruins, e você até aprende a gostar deles.
Todos os herbívoros estão ótimos, de verdade. Meio excessivamente burros e desnorteados quando comparados aos super-mega-predadores inteligentes em que os roteiristas transformaram os carnívoros, mas isso porque estão se comportando como animais de um safári de fato se comportariam; com aquele ar meio alienado sobre tudo que acontece a volta. Ironicamente, o que está terrível são os bichos que não são dinossauros: com o ataque dos pteranodontes e dimorfodontes, você acaba se sentindo dentro de um filme de terror do tipo Piranhas 3D, com criaturas inexplicavelmente sanguinárias e malfeitas atacando tudo que se move só para que haja uma trama que justifique o desenrolar da história.
Não há necessidade de se exigir uma grande acurácia científica num filme para entretenimento, no entanto, é triste ver como abriram mão de determinados cuidados sendo que os empregaram tão bem nos filmes anteriores. O tal híbrido é visualmente impactante e, apesar de possuir tantos superpoderes que você até se pergunta se está diante do novo mascote do time dos X-Men, garante uma tensão constante.
Em linhas gerais, o primeiro filme da franquia é como uma refeição feita pela mãe; você percebe o carinho, a paciência e a devida atenção no que está provando. Jurassic World, por outro lado, se assemelha mais a um prato de qualquer rede fast-food moderna; pode ser muito gostoso, mas você não se livra da artificialidade e do comercialismo inerentes."